terça-feira, junho 29, 2010
Alagoanos passam uma semana ilhados e comem barro para sobreviver
Alagoanos passam uma semana ilhados e comem barro para sobreviver
Cento e cinquenta sem-terra, a maioria crianças, isoladas há mais de uma semana em um vilarejo em Branquinha
Bombeiros resgataram 150 sem terra que ficaram ilhados (Foto: AFP - Evaristo Sá)
Soldados do Corpo de Bombeiros de São Paulo, enviados para auxiliar na busca de vítimas das cheias em Alagoas, resgataram cerca de 150 sem-terra, a maioria crianças, isoladas há mais de uma semana em um vilarejo na cidade de Branquinha, um dos 15 municípios do estado em situação de calamidade. A suspeita dos bombeiros é que mais pessoas estejam ilhadas na área rural dos municípios banhados pelos rios Mundaú e Paraíba, região mais afetada pelas enchentes. As buscas serão intensificadas hoje.
- Eles comiam barro para sobreviver. Era um lugar muito, muito pobre, as casas eram de barro e com teto de palha. Acho que só a pobreza e o costume de enfrentar tanta dificuldade explicam a resistência deles - contou o gerente médico do Samu, Maxwell Padilha, que atendeu o grupo, depois do resgate.
Apenas uma mulher precisou de atendimento médico, com hipertensão. O grupo pôde ser resgatado somente por helicóptero, que pousou perto do vilarejo com mantimentos. O aparelho quase afundou na lama ao aterrissar.
Com a demora dos governos para estabelecer as regras para a reconstrução de casas para os atingidos pelas enchentes em Alagoas, a população começa a agir por conta própria. E, mais uma vez, reconstroi as casas nos locais onde ocorreu a tragédia. Além disso, muitos voltam para residências parcialmente destruídas e condenadas pela Defesa Civil. Como a chuva continua na região, há mais risco de novos problemas.
- A casa do meu vizinho caiu, e uma parede da minha ficou trincada. Estou preocupado, mas não tenho para onde ir - afirma Romival Soares de Souza, aposentado de 76 anos, morador de Paulo Jacinto, a cerca de 100 quilômetros de Maceió.
Na cidade, alguns moradores estão inclusive refazendo as ligações de energia elétrica que as autoridades ainda não fizeram, pelo risco de choques, curtos-circuitos e incêndios.
- Liguei a minha geladeira e ela voltou. Agora, vou pagar R$ 40 para um menino que lava e seca os sofás ao mesmo tempo. A televisão é o que sinto mais falta, mas ainda vou esperar para ligar. Não tenho muita ilusão, mas vá que ela volte a funcionar? - conta outra aposentada, Francisca Natalice da Silva.
A situação mais grave é em Quebrangulo, onde as águas do Rio Paraíba destruíram as principais vias. Moradores limpam os restos de suas casas por conta própria, em ruas onde a lama é dominante. Chamava a atenção a obra tocada pelo comerciante Genivaldo Vilela da Silva, de 58 anos, que resolveu reconstruir o mercadinho que possuía na principal esquina de Quebrangulo, e hoje está em ruínas. Para a obra, ele contratou oito homens por R$ 300 por dia e gastou R$ 2 mil para os materiais da primeira semana de serviço.
- Dizem que vão transferir a gente, mas sabemos como essas coisas demoram. Não posso ficar seu meu negócio até lá - explica Genivaldo.
O engenheiro Adilson Lessa, da Secretaria Estadual de Infraestrutura de Alagoas, se espantou com a obra:
- Estamos concluindo a avaliação de danos, mas temos dificuldades. Não consigo falar com o prefeito, o único engenheiro da cidade nunca está aqui. Mas é claro que indicaremos que o ideal é refazer as casas em local distante do rio - afirmou.
Neste fim de semana, voltou a chover e várias cidades voltaram a alagar. Em Murici, os moradores diziam que a enchente "foi normal", por não ter derrubado casas. A rua da residência da família do senador Renan Calheiros (PMDB) está alagada e seu irmão e prefeito, Remi, está morando na prefeitura. Na cidade, parte dos 2.500 desabrigados estão em galpões às margens de uma rodovia. O Exército doou iogurtes e outros alimentos entregues por empresas, e muitas mulheres e crianças chegaram a se animar:
- Nunca tinha comido iogurte dessa marca, isso é coisa de rico -- afirmou Josefa Feliciano da Silva.
Em Recife, uma criança de 2 anos, Renata Bezerra da Silva, morreu na madrugada desta segunda, no deslizamento de uma barreira que aterrou a casa onde ela estava, no bairro de Linha do Tiro. Além disso, o corpo de Leonilson Ferreira da Silva foi encontrado na cidade de Gameleira, aumentando para 20 o número de pessoas mortas pela chuva em Pernambuco. Ontem, voltou a chover, e, em Palmares, o nível do rio subiu e alagou diversas ruas.
As chuvas começaram na região há cerca de dez dias, atingindo principalmente Pernambuco e Alagoas. No total, mais de 50 pessoas morreram nos dois estados, onde ainda há milhares de desabrigados e desalojados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Alagoas e Pernambuco semana passada e prometeu ajuda do governo federal.
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