Desafios da Saúde

OPINIÃO

Desafios da Saúde

JORGE DARZE – O Globo

No próximo dia 18 de outubro, estaremos comemorando o Dia dos Médicos com poucas razões para brindar, já que convivemos com uma gigantesca crise que se abateu sobre o sistema público de saúde. O recente levantamento feito por nós no Hospital Municipal Souza Aguiar, a maior emergência do Brasil, revela números assustadores que derrubam o discurso oficial de que a situação está sob controle.

Já no segundo ano do governo municipal, deveríamos estar convivendo com um quadro alentador que se refletisse em melhorias no atendimento à população. Lamentavelmente, a realidade é outra, consequência da incompetência na gestão da rede.

De 2003 a 2009, 4.200 soldados americanos morreram na guerra do Iraque, ou seja, cerca de 700 por ano. Aqui, em apenas oito meses deste ano, foram registrados mais de mil óbitos, e somente no Souza Aguiar tivemos número de mortes duas vezes maior que no Iraque. Preocupa-nos saber que este fato não está restrito a uma unidade. Muitas outras, incluindo as da rede estadual, vivem o mesmo drama, demonstrando a fragilidade e a perversidade do sistema.

Para o próximo verão, já está anunciada mais uma epidemia de dengue, em consequência dos grandes percentuais de infestação do mosquito no Rio de Janeiro, o que colocará novamente em risco a vida da nossa população. Até quando vamos conviver com esta realidade?

Nós, médicos estamos no limite, mas entre a ilegalidade e o exercício ético profissional, sempre optaremos pelo segundo. Somos desrespeitados por quem contrata o nosso trabalho, seja ele público ou privado, e convivemos com salários aviltados e com a terceirização, que é ilegal, além de remunerações maiores para os não concursados. Em consequência, a falta de médicos é uma constante, indo do pediatra e clínico até o neurocirurgião, e reduzindo a chance de os pacientes obterem o melhor tratamento.

Não é possível permitir que, após mais de 12 anos de estudos até sermos considerados médicos, e mesmo mais tarde, com a responsabilidade de continuar estudando permanentemente, sejamos desrespeitados. É inaceitável conviver com as mazelas que violentam a população e a todos nós, entre elas as políticas de recursos humanos falidas.

O próximo governo terá enormes desafios a enfrentar, tais como solucionar os baixos investimentos em estrutura e tecnologia e o sistema de abastecimento, que entra em pane a todo momento. É preciso modificar radicalmente este contexto, mesmo sabendo que isso não será feito da noite para o dia. Já passou da hora de os governos adotarem projetos pautados na legislação.

É urgente adotar regras que viabilizem um plano de carreira de Estado, com concurso público, e uma política salarial que permita fixar os profissionais à rede. Um ponto estratégico que não pode mais ser adiado é a ampliação do Programa de Saúde da Família, não da forma privatizada através das organizações sociais (OSs), que violam as leis em vigor, mas por meio de uma gestão pública competente e supervisionada pelos conselhos de saúde.

Hoje, com a unidade política das três esferas de governo, torna-se imperioso firmar um pacto que descentralize e hierarquize o atendimento, inclusive consorciando municípios para garantir a média e alta complexidade para todos aqueles que necessitem. Para que este projeto prospere, é fundamental que todas as promessas feitas pelos atuais governantes sejam verdadeiramente cumpridas, o que não ocorreu até agora.

A vida, bem maior tutelado pela Constituição Federal, não pode mais ser tratada com desrespeito pelo poder público. Os seus representantes precisam dizer a que vieram. Caso tenha sido para perpetuar a política genocida em curso, será necessário que todos nós, inclusive o Ministério Público, unamos forças para exigir o cumprimento das leis. Caso contrário, o povo do Rio de Janeiro deverá cobrar o seu afastamento por crime de responsabilidade.

JORGE DARZE é presidente do Sindicato dos Médicos do Rio. Publicada em 11/10/2010 às 19h20min