domingo, outubro 31, 2010
Iguais e diferentes
Iguais e diferentes
Editoriais - editoriais@uol.com.br
Apesar da retórica agressiva, Dilma Rousseff e José Serra guardam mais semelhanças do que divergências em seus diagnósticos e propostas
Não faltaram trocas de acusações, ânimos exaltados e lances de fantasia mercadológica à campanha presidencial. Tanto ruído terminou por substituir, de modo não de todo inconveniente aos candidatos, a discussão de propostas concretas para o país.
Afinal, quais são as diferenças, no que tange às diretrizes políticas, entre Dilma Rousseff e José Serra? A petista e o tucano não se deram ao trabalho de apresentar com antecedência documentos que merecessem o nome de programas de governo. Se a candidata da situação divulgou tardiamente uma vaga carta de intenções, com 13 "compromissos programáticos", seu opositor coligiu entrevistas e declarações em sua página na internet.
Os debates e a propaganda eleitoral, equivalentes em pasteurização e diversionismo, apenas contribuíram para aumentar a agressividade superficial da disputa.
Privatização e aborto foram os temas que predominaram no segundo turno - mas, tratadas de maneira oblíqua, tais questões foram simplificadas e manipuladas com intuito antes de assustar do que de esclarecer o eleitor.
A tentativa de mapear o que houve de discussão substantiva na campanha encontrará, na verdade, mais semelhanças do que diferenças nos diagnósticos e propostas dos dois candidatos.
Não surpreende que seja assim. Ao longo dos últimos 16 anos, sob os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, as principais correntes políticas alcançaram aos poucos consensos mínimos, que se mostraram benéficos para o conjunto da população. O próximo presidente herdará um país em que a manutenção da estabilidade da moeda e dos mecanismos de seguridade e inclusão social são objetivos inquestionáveis.
Isso se traduziu, na campanha, na adesão de Dilma e Serra aos pilares da política econômica adotados no segundo mandato de FHC: metas de inflação perseguidas com independência pelo Banco Central, realização de superavit fiscais para abater a dívida pública e câmbio flutuante.
A convergência também aparece no apoio ao Bolsa Família. Dilma tem no programa de distribuição de renda um valioso instrumento para cumprir a difícil promessa de "erradicar a miséria" no Brasil. Serra promete duplicar a abrangência do benefício-tarefa tampouco de fácil execução.
São coincidentes, ainda, as avaliações sobre as carências na infraestrutura, no saneamento básico, na saúde e na educação.
Tucano e petista prometem priorizar o ensino médio, com a criação de escolas técnicas. Um milhão de novas vagas para esse tipo de formação é o compromisso do tucano - enquanto a petista afirma que irá construir centros de educação profissionalizante em quase 600 municípios do país.
Na saúde, pretendem aumentar o número de unidades descentralizadas de atendimento, como forma de diminuir a espera e melhorar a qualidade do serviço médico. Para ampliar a cobertura de saneamento básico, ambos acenam com a desoneração tributária de investimentos.
Mas há diferenças. Em contraste com a política externa do governo, que enfatiza as relações "Sul-Sul", o tucano defende a realização de acordos bilaterais de comércio com países ricos e em desenvolvimento. Em sua visão, o Mercosul não deve limitar o comércio do Brasil com outras nações. Na campanha, criticou a diplomacia brasileira por ser condescendente com governantes de países produtores de droga ou que violam direitos humanos - como é o caso do Irã.
Quanto ao modelo de Estado, a oposição sempre atacou o enfraquecimento, sob Lula, das agências reguladoras e o que vê como excesso e ineficiência de gastos do governo federal. Serra defende mecanismos de gestão que considera menos propícios à incrustação de grupos na máquina estatal, como as Organizações Sociais, espécie de parceria público-privada, implantadas pelas administrações do PSDB em São Paulo.
Embora os dois candidatos tenham acenado com reduções de impostos, as espinhosas questões das reformas tributária e da Previdência foram deixadas de lado.
Os brasileiros vão hoje às urnas escolher entre dois candidatos moderados, com divergências de grau, que não devem promover solavancos ou mudanças radicais. Não deixa de ser um sinal de amadurecimento político do país.
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