sábado, novembro 06, 2010

Se aprovarem, será o ‘antiajuste'

Se aprovarem, será o ‘antiajuste'
Paulo Bernardo diz que ordem é evitar aprovação de aumento de gastos no Congresso
ENTREVISTA Paulo Bernardo - Luiza Damé e Eliane Oliveira BRASÍLIA
Cotado para assumir a Casa Civil e já escolhido como um dos coordenadores da equipe de transição, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chamado de Paulinho pela presidente eleita, Dilma Rousseff, chegou a seu gabinete no fim da manhã de sexta-feira, onde recebeu O GLOBO, com uma determinação taxativa do presidente Lula: o governo deve tentar impedir, a todo custo, que sejam incluídos no Orçamento de 2011 recursos extras para atender demandas pendentes no Congresso e que provocariam um impacto financeiro de mais de R$ 100 bilhões.
Lula presidiu ontem uma reunião da Junta Orçamentária, que reúne Fazenda, Planejamento e Casa Civil, e disse que devem ser preservados os investimentos do PAC no Orçamento, e que nenhum problema, como novos gastos, deve ser criado para Dilma.
O GLOBO: Qual foi a orientação do presidente Lula sobre o Orçamento?
PAULO BERNARDO: Levamos para ele as polêmicas, as dúvidas e as incertezas. Se votarmos o que estava programado (no Congresso) em junho, vamos ter que fazer um monte de ajustes. Se aprovarem metade do que está lá, será o antiajuste. O presidente foi muito firme na reunião.
Disse que não podemos colaborar para nada que deixe Dilma em uma situação ruim.
Qual o tamanho do rombo?
PAULO BERNARDO: Passa de R$ 100 bilhões. O reajuste do Judiciário é em torno de R$ 7 bilhões, mas tem o Ministério Público, o que dá quase R$ 8 bilhões. Isso é apenas a ponta do iceberg. Se isso passar, a Polícia Federal vai achar que tem que ter reajuste de 56%, e todos os grupos de carreira vão querer. Você aumenta o salário dos servidores estaduais e manda a conta para o governo federal? Cadê o dim-dim para pagar isso?
O que disse Lula sobre esses projetos?
PAULO BERNARDO: Para nos posicionarmos contra todos esses pontos. Não pode ser desse jeito, temos que chamar os líderes e conversar.
Todo o Orçamento precisa de ajustes.
Este ano, fizemos dois ajustes. No Brasil sempre se faz isso: aumentam os gastos correntes em detrimento dos investimentos. A ordem é preservar os investimentos.
E como é que fica essa briga política no Congresso?
PAULO BERNARDO: O Congresso tem, via de regra, muita abertura para discutir isso com tranquilidade.
Mas tem sensibilidade também aos pleitos. Tinha um clima pré-eleitoral, onde qualquer grupo de pressão ia lá e acabava conseguindo.
Eu acho que quando você põe a bola no chão e fala: vamos conversar de novo, muda de figura.
A Dilma pode entrar, se precisar, nessa negociação?
PAULO BERNARDO: Com certeza.
O que estamos programando, e na segunda-feira tem a primeira reunião, é que o governo vai fazer interlocução com o Congresso e uma interlocução permanente com a equipe de transição.
O que o senhor acha que vai ser mais difícil no período de transição, o ajuste de contas ou a composição política?
PAULO BERNARDO: Até onde eu sei, isso sequer começou. Não pode ser gente do atual governo que vai discutir o novo governo. Senão vai parecer que a gente tem uma carteirinha para garantir lugar. Nós vamos cuidar, primeiro, de encerrar o ano, e acompanhar e interagir com o Congresso para aprovar o Orçamento.
Agora, eu aconselharia os governadores, especialmente os novos ou os reeleitos, a olharem a pauta do Congresso para verem as coisas que estão sendo debatidas lá. Seria prudente.
Há assuntos que não nos dizem respeito.
A equipe econômica será anunciada primeiro para tranquilizar o mercado?
PAULO BERNARDO: Acho que os mercados estão bem tranquilos. Nós temos aí oito anos de tranquilidade.
Esse ser etéreo chamado mercado estava todo engajado na campanha do Serra. Eles fizeram a opção.
Até onde vai o teto do governo na questão do mínimo?
PAULO BERNARDO: Nós temos uma política de reajuste e, até onde eu sei, ninguém
quer mudá-la. No ano passado, o crescimento foi zero e não satisfez ninguém. Não dá para ter um critério que é bom, mas quando o ano é ruim, a gente muda. Temos de falar francamente com as centrais, explicar o nosso ponto de vista, sabemos que é uma questão política. Vamos resolver até o fim do ano, porque o presidente Lula vai assinar (o reajuste).
E os aposentados terão aumento real?
PAULO BERNARDO: Com toda a sinceridade, nós temos de manter uma política que preserve o valor real das aposentadorias. Há uma reclamação de que o índice não acompanha o custo de vida dos velhinhos.
Mas aumento real (acima da inflação), eu não defendo. A única forma de as aposentadorias terem o mesmo índice do salário mínimo é o mínimo ter só a inflação.
Perspectiva de mais aumento para o servidor público?
PAULO BERNARDO: Os servidores tiveram o poder aquisitivo bem aumentado nos últimos anos. Algumas categorias que ganhavam salários irrisórios hoje ganham três vezes mais.
De maneira geral, fizemos um realinhamento.
Agora é manter o poder aquisitivo e fazer pequenos ajustes.
A presidente eleita defende a definição de critérios para reajuste do Bolsa Família. Há estudo para isso?
PAULO BERNARDO: Estudo, sim, mas não tem definição do que vai ser feito no ano que vem. Essa é uma política bem-sucedida e temos que consolidar.
Hoje é unanimidade. Tanto que o Serra queria radicalizar. No início, eles tinham uma visão muito crítica do Bolsa Família. Depois virou o pai do Bolsa Família.
Haverá um índice específico?
PAULO BERNARDO: Deve ter um critério, se será o INPC ou o IPCA, e em qual época. A presidente Dilma quer isso. Se houver um critério estabelecido em lei, ninguém pode dizer “fizeram isso para ganhar eleição”.
A CPMF vai voltar?
PAULO BERNARDO: A Dilma já disse que não vai mandar essa proposta ao Congresso. Se você olhar o que acontece hoje, o governo federal cumpre o que diz a Constituição. Nosso gasto é de R$ 57 bilhões por ano.
Boa parte dos estados não cumpre integralmente o que diz a Carta. Tem muita gente que acha que tem de ter mais dinheiro. De onde vamos tirar? Se falassem: a gente precisa mais R$ 1 bi por ano, estava resolvido. O problema é que se fala em R$ 15 bilhões, R$ 20 bilhões. Quando começar o ano, pode escrever aí: vai ter uma reunião de governadores com o governo federal. Os governadores virão discutir os problemas financeiros.
Tem outra solução que não seja criação de imposto?
PAULO BERNARDO: Podemos cortar de outras áreas. Só temos que discutir onde.
O momento não é bom para extinguir ministérios?
PAULO BERNARDO: Se você fizer um enxugamento enorme da máquina, pode economizar quanto? R$ 800 milhões, R$ 1 bilhão... Você vai fazer o que com o servidor? Vai passar para outro ministério e vai economizar o salário do ministro.
Nem a conta de luz economiza, porque o prédio continua lá. Não tiro o mérito desse debate, mas a ordem de grandeza para discutir a saúde é outra.
E a reforma tributária?
PAULO BERNARDO: Nós achávamos que a reforma tributária seria aprovada. O que aconteceu? Os governadores a bloquearam, porque eles preferem fazer guerra fiscal.

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