segunda-feira, maio 17, 2010

O corpo da moda

O corpo da moda
Mirian Goldenberg – ANTROPÓLOGA – 16/05/2010

Já na década de 80, o antropólogo Gilberto Freyre, como sempre de forma pioneira e polêmica, buscou pensar o corpo e o comportamento da mulher brasileira.
No livro Modos de homem, modas de mulher, Freyre apontava a atriz Sônia Braga como modelo de beleza da brasileira: baixa, pele morena, cabelos negros, longos e crespos, cintura fina, bunda (“ancas”) grande, peitos pequenos.
Freyre dizia, com certo tom de crítica, que este modelo de brasileira estava sofrendo um “impacto norteeuropeizante ou albinizante”, ou ainda “ianque”, com o sucesso de belas mulheres como Vera Fischer: alta, alva, loira, cabelos lisos (“arianamente lisos”), com um corpo menos arredondado.
Este novo modelo de beleza para as brasileiras, já detectado por Freyre, ganhou muito mais força nas últimas décadas. Como ironizou uma matéria da revista Veja: “As brasileiras não ficam velhas, ficam loiras”, mostrando que a brasileira é uma das maiores consumidoras de tintura de cabelo em todo o mundo. Além de Vera Fischer, que permanece um ideal de beleza, as apresentadoras de programas infantis e, posteriormente, Gisele Bündchen tornaram-se modelos a serem imitados pelas brasileiras, ícones “norteeuropeizantes”, diria Freyre.
Gilberto Freyre enaltecia o corpo da mulher brasileira, miscigenado, um “corpo equilibrado de contrastes” e propunha uma consciência brasileira, dizendo que a mulher brasileira deveria seguir modas adaptadas ao clima tropical, em vez de “seguir passivamente e, por vezes, grotescamente, modas de todo europeias ou norteamericanas”: na roupa, no sapato, no adorno, no penteado, no perfume, no andar, no sorrir, no beijar, no comportamento, no modo de ser mulher. Eu ainda acrescentaria, no corpo.
Freyre sugeria que as modas e os modismos não diziam respeito apenas às roupas ou penteados, mas também poderiam se tornar modas de pensar, de sentir, de crer, de imaginar, e assim, subjetivas, influírem sobre as demais modas. Ele apontou os excessos cometidos pelas mulheres mais inclinadas a seguir as modas, especialmente “as menos jovens, para as quais, modas sempre novas surgiriam como suas aliadas contra o envelhecimento”.
Gilberto Freyre, mais de duas décadas atrás, admitiu que várias novidades no setor de modas de mulher tendiam a corresponder a “esse desejo da parte das senhoras menos jovens: o de rejuvenescerem”. E a verdade, dizia ele, é que há modas novas que concorrem para o rejuvenescimento de tais aparências, favorecido notavelmente por cosméticos, tinturas e cirurgias plásticas.
As mulheres europeias, em geral, procuram se produzir com roupas cujas cores, estampas e formas reestruturam artificialmente seus corpos, disfarçando algumas formas (particularmente as nádegas e a barriga) graças ao seu formato; as brasileiras, ao contrário, expõem o corpo e frequentemente reduzem a roupa a um simples instrumento de sua valorização, em uma espécie de ornamento. Dentro dessa lógica, a tendência das adolescentes europeias é a de se vestirem como suas mães, enquanto no Brasil a tendência é a da mãe se vestir como a filha para parecer mais jovem.
Em algumas famílias que pesquisei na cidade do Rio de Janeiro, mães, filhas (e algumas vezes as avós) usavam a mesma roupa e os mesmos acessórios. Em uma delas, a mãe e a avó roubavam as roupas do guarda-roupa da adolescente. O que confirma a ideia de Gilberto Freyre de que as modas surgem visando uma preocupação central da mulher brasileira: permanecer jovem.
Mirian Goldenberg, além de antropóloga, é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de ‘O corpo como capital’ (Estação das Letras e Cores).  - www.miriangoldenberg.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters