segunda-feira, junho 28, 2010
Os velhos não morrem em pé
Os velhos não morrem em pé
Gláucio Ary Dillon Soares e Jackeline Romio, Jornal do Brasil
RIO - Entre 1979 e 1995 morreram mais de 50 mil brasileiros (54.730) em quedas acidentais; entre 1996 e 2007, morreram mais 70 mil (69.028). A separação em dois grupos se deve à mudança de critérios de classificação. Neste período, 123.758 brasileiros faleceram devido a quedas. Para comparação: no ataque às Torres Gêmeas, no 11 de Setembro, morreram 2.752 pessoas (estimativa final, de 31 de outubro de 2003). As mortes por quedas neste período equivalem a 45 ataques terroristas semelhantes aos das Torres Gêmeas. Somente em 2001, ano do ataque, morreram 4.258 pessoas em quedas e o número cresce ano a ano. Estamos chegando a 10 mil mortos por ano.
Não obstante, supomos que quase todos os leitores tenham conhecimento do ataque às Torres Gêmeas, mas uma percentagem alta deles não tenha conhecimento da magnitude da devastação causada pelas quedas no Brasil – até ler este artigo.
O gráfico das mortes por queda ilustra bem o ritmo de crescimento desta causa. Em 1996, foram 4.349 óbitos por quedas no Brasil. Após leve queda entre 1999 e 2000, o número saltou para 5.262 óbitos em 2001. No ano de 2007 já contávamos 8.318 casos, com média de 5.752 óbitos por ano. O gráfico mostra que em 12 anos o número de ocorrências anuais duplicou, sublinhando a necessidade de entendermos esta causa de morte.
As mortes por quedas não são um problema brasileiro: são um problema mundial. Nos EUA, as quedas lideram as causas acidentais de morte entre as pessoas com mais de 75 anos e são a segunda causa de morte entre as com idade entre 45 e 74 anos. Em 2007, quase 23 mil estadunidenses morreram em consequência de quedas; destes, 19 mil tinham 60 anos ou mais; cerca de 8 milhões de pessoas ficaram feridas. De acordo com o National Safety Council, as quedas constituem a principal causa de mortes entre idosos de 73 anos e mais e a segunda na faixa de 60 a 72. O preço não termina aí: essas lesões representam um encargo pesado para a sociedade: há muito sofrimento e as perdas são onerosas.
Quem morre no Brasil? Os dados mostram toda a crueldade do fenômeno: os idosos morrem desproporcionalmente mais. O número de mortes aumenta gradativamente com a idade até os 35 anos, quando estabiliza. Não obstante, explode a partir dos 75.
Os idosos apresentam extrema vulnerabilidade a mortes por quedas acidentais. É, juntamente com as doenças degenerativas, uma das principais causas de morte de nossos idosos.
Por que os idosos caem? Como? Onde? E qual o papel das quedas na mortalidade deste grupo etário? Podemos salvar vidas?
No Brasil, em 2000, as quedas já representavam a segunda causa externa de morte e a primeira causa de internação na população maior do que 60 anos. Vilma Gawryszewski, estudando 87.177 internações hospitalares por causas externas de maiores de 60 anos, realizadas pelo Sistema Público de Saúde em 2000, constatou que as quedas correspondiam a 56% do total. Este estudo demonstrou, também, que as quedas representavam a segunda causa de morte tanto entre homens como entre mulheres com mais de 60 anos.
Quantos anos de vida as quedas roubam da população? As fraturas da bacia reduzem a esperança de vida em 1,8 ano; numa população em que a esperança de vida é de perto de sete anos, isso equivale a perder 25% da vida que os pacientes ainda têm.
Os idosos caem com freqüência: uma pesquisa mostra que aproximadamente 30% dos que viviam em comunidades especializadas caiam cada ano. Um em cada três idosos cai, pelo menos, uma vez por ano. Essas quedas não são irrelevantes: na Austrália, uma em cinco requer atenção médica.
Uma pesquisa realizada no Alasca mostra um crescimento da taxa devida a mortes por quedas, de 4,8 por 100 mil em 1999 para 6,3 em 2004, um aumento substancial em apenas cinco anos. Ela era mais alta para homens do que para mulheres (8,2 e 4,8, respectivamente). Há um componente de classe, sem lugar a dúvida. Como em tantas atividades, os pobres morrem mais: 4,1 (taxa por 100 mil, por ano) entre quem não terminou o segundo ciclo e 1,4 entre os que tinham alguma educação universitária. Não obstante, o grande determinante do risco de morrer em uma queda não intencional não é o gênero nem a classe social, é a idade. No Alasca, entre as pessoas na faixa de 65 a 84, o risco pula para 25,2, explodindo entre os com 85 e mais, entre os quais atinge 143,3 por 100 mil.
O gráfico das vítimas de mortes causadas por queda, por idade, não deixa dúvidas quanto ao grupo etário de maior risco de morte no Brasil: o grupo dos idosos. Só o sub-grupo 75 anos e mais representava aproximadamente um terço de todas as mortes por queda no período de 1996 a 2007.
Idosos hospitalizados por fratura devida a quedas têm uma estatística pesada: requerem tantos cuidados que somente metade consegue voltar para casa. Os demais – nos países desenvolvidos – são obrigados a ficar permanentemente em clínicas especializadas a um custo altíssimo. Uma estimativa feita na Universidade de Pittsburgh concluiu que o custo de cada fratura da bacia ultrapassa 81 mil dólares. Para onde vão esses dólares? Mais da metade para pagar hospitais e clínicas para idosos. Nos demais países, mais pobres, muitos são jogados em cima de uma cama, onde vegetam até morrer.
Assim, muitas quedas requerem uma longa hospitalização e os hospitais são caros. Como, em muitos países, esses custos caem em cima do setor público, as campanhas de prevenção custam uma fração dos gastos que evitam. É um problema sério hoje, será pior amanhã. A Austrália se prepara para isso. As projeções dizem que em meados do século terão que triplicar os gastos desse tipo para atender a mais e mais idosos com fraturas devidas a quedas. Considerando todas as fraturas da bacia, os gastos nos Estados Unidos superaram 20 bilhões de dólares em 1997 (certamente muito menos do que hoje) e mais do que o PIB da Bolívia ou o do Paraguai.
É possível evitar as quedas e as mortes com pequenas medidas preventivas que não são caras nem alteram muito o quotidiano dos idosos. Em verdade, muitas são banais e intuitivas. O problema reside em sua divulgação e implementação. Exemplos: certificar-se que o piso está realmente seco; diminuir o número de obstáculos no chão das salas; usar cores contratantes entre parede e piso; instalar luzes noturnas nas paredes, sobretudo para iluminar o caminho entre o quarto e o banheiro; ajustar a altura das latrinas ao tamanho e flexibilidade do idoso ou idosa; instalar mais tomadas para evitar o uso de cabos de extensão na casa; realocar os interruptores, dando prioridade aos fluorescentes, para que os moradores da casa não necessitem andar na escuridão; na cozinha e banheiro instalar barras de segurança/apoio; usar tapete antiderrapante no chão do banheiro, uso de cuecas e calcinhas acolchoadas e outras. Essas medidas (e muitas outras) reduzem as quedas, as fraturas e as mortes.
Há jeito.
23:24 - 27/06/2010
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