sábado, julho 10, 2010
Ilha fiscal
Ilha fiscal
Miriam Leitão
A candidata Dilma Rousseff deveria ter pressa de que a Receita Federal esclareça o que aconteceu no órgão. Na entrevista ao Roda Viva, ela foi dura com o editor-executivo da “Folha de S.Paulo”, Sérgio D’Ávila. Disse que não tinha processado o jornal por respeitar a liberdade de imprensa. “Acho oportuno que se prove, e quem acusa é que prova”, afirmou.
No dia 12 de junho, a “Folha” havia publicado que os dados fiscais do vice presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, foram investigados pela “equipe de inteligência” da campanha da candidata Dilma Rousseff. E publicou fac símiles mostrando que estavam circulando documentos objeto de sigilo fiscal.
O presidente Lula disse, no dia seguinte, que o dossiê era uma invenção dos adversários. Agora, a Receita em nota reconhece que não houve invasão no seu sistema e que os dados foram acessados por funcionários do próprio órgão.
Essa informação não exige uma investigação de 27 dias, mas foi esse o tempo que a Receita precisou para saber que funcionários do órgão, usando senha pessoal e exclusiva, acessaram dados referentes às declarações de Eduardo Jorge.
Não disse quem fez o que fez. Não sabe por que eles fizeram o que fizeram. Disse apenas que “as investigações prosseguem, através de instauração de processo administrativo e disciplinar, para apurar se os acessos foram motivados por razões de serviço.” Recapitulando: funcionários da máquina pública, que servem ao Estado — e não a governos, muito menos a partidos — acessaram documentos sigilosos de um adversário político do governo. Esses dados saíram da Receita, que é a depositária fiel das informações.
A Receita admite que eles acessaram os dados e pede mais tempo para saber o motivo do comportamento de seus próprios funcionários. E se eles não tiverem acessado por motivo de serviço? “O responsável por acesso imotivado estará sujeito a penalidade de advertência ou suspensão de até 90 dias.” A falta de pressa da Receita e a leveza da punição são perturbadoras. A suspeita é de uso da máquina pública para espionar adversários que, como já disse aqui, quando aconteceu nos Estados Unidos provocou a maior crise política da história recente americana.
Já a candidata Dilma Rousseff tem outra suspeita.
A Sérgio D’Ávila, no Roda Viva, ela disse: “É importante que o jornal traga essas provas a público. Nós não podemos aceitar, porque vivemos numa democracia, acusações sem prova. Nós processamos o acusador. Vocês, nós não processamos porque respeitamos a liberdade de imprensa. Achamos que vocês estão protegendo a fonte. Enquanto não demonstrarem a prova, é uma acusação infundada."
Está em curso uma tentativa de atribuir a nós questões que foram criadas em outro ambiente político.” O jornalista perguntou se ela não achava que era uma tentativa do tipo “aloprados 2”, e ela concluiu: “Não, acho que há uma tendência de forçar essa interpretação por razões políticas.” Ou seja, suspeita também, como Lula, de que é tudo invenção dos adversários.
Essa versão da ministra para os fatos que a imprensa tem publicado ficou mais frágil depois da nota da Receita Federal admitindo que os dados foram acessados por seus funcionários.
A Receita disse que ainda precisa verificar se o vazamento saiu de lá. Essa falta de sentido de urgência da Receita é inexplicável se há tantas dúvidas no ar. De um lado a oposição suspeita que os dados são parte de espionagem política, de outro, o governo suspeita que os dados são parte de uma conspiração de adversários. Tratar de forma burocrática um caso político tão incandescente; fazer uma verdadeira operação tartaruga na apuração de informação tão relevante coloca em risco a credibilidade do próprio órgão, ao qual os contribuintes entregam informações que estão sob a proteção constitucional do sigilo. É indispensável que um órgão de Estado se comporte como um órgão de Estado.
Do contrário, ficará parecendo que está acobertando algo ou alguém.
Toda a história começou com a publicação pela “Veja” de que a empresa fornecedora de serviços de comunicação do jornalista Luiz Lanzetta tinha se reunido com o delegado aposentado Onézimo Sousa e pedido ajuda para montar um dossiê contra o principal candidato de oposição e pessoas ligadas a ele. O delegado no Congresso confirmou o que disse à revista.
Na entrevista, Dilma deu uma definição do que a empresa de Lanzetta fazia na campanha: — O Lanzetta foi contratado para fornecer pessoal para nossa campanha.
Ele contratava pessoas que nós indicávamos. Nós não assumimos nenhuma responsabilidade.
Então, por essa explicação de Dilma Rousseff, pessoas que trabalhavam na empresa haviam sido indicadas pela campanha e apenas contratadas pela empresa do jornalista. Difícil entender o que ela quis dizer com isso. Mais uma dúvida num caso cheio de fatos mal explicados.
O que piora tudo são os antecedentes do PT em compra e fabricação de dossiês falsos contra adversários. Se isso virar um método de luta política, o que está em risco é muito mais que uma eleição, mas a qualidade das instituições brasileiras.
A campanha começou oficialmente esta semana.
Mas nos meses que a antecederam acumularam-se vários fatos preocupantes que vão do uso da máquina pública, excesso de bondades eleitoreiras com dinheiro público, e esse estranho caso que traz tão inquietantes dúvidas.
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