quinta-feira, agosto 26, 2010

Na volta do Iraque, veteranos dos EUA enfrentam dura adaptação

Na volta do Iraque, veteranos dos EUA enfrentam dura adaptação
Quase cem mil soldados voltam do confronto ao mesmo tempo. Psicólogos alertam dos cuidados para a adaptação dos veteranos.
Daniel Buarque Do G1, em São Paulo

Um batalhão de quase cem mil soldados dos Estados Unidos, o suficiente para enfrentar uma guerra, volta para casa neste mês com a retirada das tropas de combate do país no Iraque. A decisão foi comemorada como o início de fato do conflito iniciado em 2003, mas, a exemplo do que já aconteceu no fim de outras guerras lutadas pelos americanos, este retorno pode ter um efeito interno complicado para o país. Em meio a uma longa crise econômica, os americanos vão ter que reabsorver jovens treinados para a guerra, mas nem sempre para a vida em sociedade. Muitos desses veteranos têm problemas psicológicos, ou de saúde, e sua adaptação pode ser difícil, segundo psicólogos.
Por mais que nem todos os soldados que voltam aos EUA sejam dispensados, o número de veteranos da guerra deve ter um aumento acima do normal no final deste mês. “A volta de tantos soldados vai sobrecarregar o sistema, e pode trazer problemas”, disse ao G1 o psicólogo Stanley Krippner, especialista em tratar distúrbios mentais de veteranos de guerras.
O G1 publica nos próximos dias uma série de reportagens sobre os sete anos de ocupação norte-americana no Iraque. Na semana passada, a decisão do presidente Barack Obama de retirar as tropas até o final deste mês começou a ser cumprida. Ainda restarão 50 mil soldados no país, nas tarefas de formação e de assistência. As próximas reportagens serão uma indicação de livros e filmes para entender a guerra e um Raio-X completo do conflito.
Krippner se baseia em estatísticas que ele mesmo analisou a respeito dos veteranos para chegar a esta conclusão. Autor de “Haunted by Combat” (Assombrados por combate), ele diz que 20% dos soldados que voltam do Iraque e se tornam veteranos têm desordem de estresse pós-traumático, um problema psicológico que precisa de tratamento e que é uma das principais causas de comportamentos extremos e depressivos. “Eles não deveriam voltar todos de uma vez”, disse, alertando que taxas de suicídio, que chegam a mais de cem por mês entre os veteranos, podem ficar ainda maiores.

[Os militares] não deveriam voltar todos de uma vez"
Stanley Krippner, psicólogo

Menos pessimista, Keith Armstrong, psiquiatra que coordena o Departamento de Assuntos de Veteranos na Califórnia, não acredita em problemas graves, mas diz que a sociedade americana vai precisar ajudar na adaptação desses ex-soldados. “Todos eles têm problemas para se ajustar”, disse, em entrevista ao G1. Segundo ele, as guerras do Iraque e do Afeganistão envolveram o trabalho de quase, 1,5 milhão de militares, e desde 2001 o país já vem se acostumando a lidar com a presença de veteranos, melhorando o cuidado oferecido.
Mas ele concorda que de fato é preciso ficar atento para dar assistência e evitar problemas envolvendo estes veteranos. “A sociedade precisa ajudar os veteranos a se readaptar”, disse, lembrando que a participação dos estados americanos na guerra não é uniforme, e que em algumas regiões é preciso uma atenção maior por haver mais veteranos.

Mais sobreviventes, mais problemas

Um maior grau de sobrevivência de soldados é o principal diferencial das guerras do século XXI em relação a conflitos do passado. Com uma maior tecnologia de proteção contra o inimigo e um maior avanço da medicina, menos militares morreram no Iraque e no Afeganistão de que em outras guerras, explicou Krippner. A sobrevivência, entretanto, faz com que haja proporcionalmente mais veteranos de guerra e um índice maior de ex-soldados com problemas psicológicos.

Todos eles têm problemas para se ajustar"
Keith Armstrong, psiquiatra

No passado, quando os soldados americanos voltaram da guerra do Vietnã, por exemplo, os Estados Unidos já tiveram que lidar com a readaptação deles, que tinham problemas de saúde e mentais, e que, para completar, “eram deplorados pela sociedade, que se opunha à guerra”, disse Krippner. No caso dos veteranos de hoje, há um maior respeito da sociedade em relação a quem participou da guerra, e muitos são bem-vindos, além de se prepararem melhor para o que podem encontrar ao voltar à vida longe de confrontos.
Mesmo assim, um grande número de veteranos apresenta um quadro psicológico que segundo os estudiosos ouvidos pelo G1 oscila entre a depressão e a agressividade, e os resultados mais graves disso são os suicídios e o envolvimento em crimes e agressões. Krippner explicou que tudo isso pode ser evitado com o tratamento corretamente aplicado, entretanto.
Segundo ele, é preciso envolver os veteranos em interações de grupo, em que eles se sintam acolhidos, parte de uma comunidade. Além disso, famílias e amigos devem ser envolvidos no processo, para que haja um sentimento de valorização deles. “Por último vem o tratamento profissional”, disse, alegando que o acompanhamento psicológico é importante, mas não necessariamente a primeira opção. “Cada caso é diferente e requer uma atenção diferente”, disse.

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