segunda-feira, agosto 23, 2010

Programas de humor buscam alternativas para falar de política

Programas de humor buscam alternativas para falar de política

Como não podem satirizar candidatos ao governo, humorísticos buscam alternativas para falar da campanha eleitoral
Foto: Afonso Carlos/Carta Z Notícias/TV Press
ARCÂNGELA MOTA
Desde a época dos bobos da corte, a política sempre foi a maior fonte de inspiração do humor. Mas, a partir deste ano, por decreto, a campanha eleitoral perdeu a graça. Desde 6 de julho, dia em que foi iniciada oficialmente, programas de rádio e TV estão proibidos de usar "trucagem, montagem, ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito". A resolução, presente na Lei Eleitoral 9.504/97, atinge em cheio programas humorísticos como o CQC, Casseta & Planeta ePânico na TV, que não podem mais ironizar ou fazer brincadeiras com os candidatos. Para não deixar as eleições passarem em branco e evitar problemas com a Justiça, a saída tem sido apostar em maneiras diferentes de abordar o assunto, menos diretas e mais metafóricas. "Essa lei é um retrocesso. Não prejudica a nossa cobertura, e sim a democracia. Como na ditadura, vamos inventar maneiras de falar de política com metáforas", garantiu Marcelo Tas, líder da bancada do CQC, da Band.
A Lei Eleitoral que restringe a liberdade de expressão dos humoristas pode, de fato, despertar a criatividade. Para driblar as limitações, eles tiveram de investir na criação de novos quadros e personagens para tapar o buraco aberto com a ausência da sátira aos candidatos. Enquanto o CQC passou a exibir matérias que questionam a própria Lei Eleitoral e a opinião dos políticos sobre ela, o Casseta & Planeta resolveu lançar a candidatura de personagens que em nada tinham a ver com política. E, com isso, a cantora de axé Acarajette Lovve, personagem de Beto Silva inspirada em Ivete Sangalo e Cláudia Leitte, acabou se tornando candidata à presidência. "Resolvemos lançar a campanha dela junto com a propaganda eleitoral. Temos nossos truques para criticar, apesar das limitações. O Casseta é um programa com tradição nisso e não vamos deixar a eleição passar", assegurou o diretor José Lavigne.
Mas, apesar do empenho em continuar abordando a política, os programas humorísticos tiveram de fazer concessões. E não foram poucas. O Casseta & Planeta tirou do ar os personagens Dilmandona, José Careca e Magrina Silva, que respectivamente parodiavam os presidenciáveis Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Já no CQC, os cartunistas do programa, encarregados de fazer montagens sobre as figuras dos entrevistados, foram afastados de todo o material produzido para as eleições. Enquanto isso, o Pânico na TV preferiu ficar de fora da eleição por um tempo, deixando os quadros relacionados à política fora do roteiro. "Nós sempre cumprimos decisão judicial. A maneira de expressar a política ficou complicada. Trabalhamos com caricaturas e não podemos mais fazer isso", lamentou Emílio Surita, apresentador do Pânico na TV.
E o receio em descumprir a nova norma eleitoral é justificado nas multas previstas na lei. As infrações podem ser penalizadas com multa de até R$ 106 mil, que dobra em caso de reincidência. A questão levanta polêmicas entre especialistas, que discordam sobre a constitucionalidade da norma, existente desde 1997 e atualizada no ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que a tornou mais rigorosa com o propósito de assegurar que "as emissoras deem tratamento igualitário entre os candidatos, para garantir o equilíbrio na disputa". "A aplicação da multa prevista pelo TSE implica, automaticamente, em poder de censura e fere a Constituição, que garante a livre expressão independentemente de censura ou licença", defendeu o advogado José Ribas Vieira, professor de Direito da PUC-Rio e da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Mas, para outros juristas, a norma relativiza a liberdade de expressão em prol da igualdade no processo político, também garantida pela Constituição. É o que defende o advogado Enzo Bello, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense. "É um tema espinhoso e polêmico, mas a meu ver, não há inconstitucionalidade. Os princípios constitucionais e os direitos fundamentais são relativos. Ponderáveis uns em relação aos outros em casos concretos", argumentou.
A polêmica gerada com os debates gera expectativa nas equipes dos humorísticos, que torcem por mudanças. "Essa discussão me dá muita esperança. É frustrante ter boas ideias e não poder colocá-las em prática", lamentou José Lavigne. Mas, enquanto isso, o mais seguro é não arriscar. "Em época de eleições, o espaço para a política será nenhum. Existe a lei e, infelizmente, temos de cumpri-la. Ainda vivemos esse atraso político", reclamou Tom Cavalcante, apresentador do Show do Tom, da Record.

Mais que risadas

Fazer graça não é a única função dos programas de humor. Muitos humoristas defendem que abordar a política de forma divertida é um meio eficiente para despertar a curiosidade dos telespectadores no assunto. E, ao longo de três temporadas de CQC, o apresentador Rafinha Bastos garante sentir diferença tanto no público quanto em alguns políticos, que passaram a perceber o programa como uma outra forma de se comunicar com os eleitores. "Hoje as pessoas entendem que, por trás das brincadeiras, existe cobrança, informação. A comunicação melhorou. E os políticos veem que o humor também pode ser uma forma de fazer propaganda", argumentou.
Para o humorista Tom Cavalcante, que em outros anos eleitorais viveu personagens como Geraldo Chuchuckmin e Tomloísa Helena, parodiando Geraldo Alckmin e Heloísa Helena, a proibição de brincar com os candidatos impede uma maior contribuição social dos humorísticos. "Acredito que o humor ajuda a revelar a verdadeira face dos bons e maus candidatos. Nos Estados Unidos, a época de eleição é um período onde os programas de humor são ainda mais atuantes", comparou.
Instantâneas
# Com a nova Lei Eleitoral, a equipe do CQC passou a trabalhar ainda mais próxima do departamento jurídico da Band. "Analisamos tudo com muito cuidado para evitar levar uma multa", contou Marcelo Tas.
# No Pânico na TV, Sabrina Sato parou de gravar os quadros que fazia no Congresso Nacional. O programa também tirou do ar a personagem Dilma do Chefe, vivida por Carioca.
# José Lavigne, diretor do Casseta & Planeta, diz que sua maior vontade é satirizar as entrevistas dos candidatos à presidência no Jornal Nacional. "É uma pena não podermos brincar com um programa da própria casa. Seria muito divertido", idealizou.
# Nos Estados Unidos, as sátiras costumam ser encaradas com naturalidade pelos políticos. O humorístico Saturday Night Live, da NBC, faz sucesso com paródias de políticos como Barack Obama, Sarah Palin e Hillary Clinton.

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