sexta-feira, novembro 19, 2010
Com a mesma cara
Com a mesma cara
EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO - editoriais@uol.com.br
Manter Guido Mantega (e talvez Henrique Meirelles) é vantajoso para a transição, mas pode não ser o mais indicado para o futuro
Há uma certeza em matéria de formação de ministérios: tudo pode mudar até que oficialmente se conheçam os indicados. Quem acompanha o noticiário acerca da futura equipe da presidente eleita Dilma Rousseff não terá deixado de perceber a dança de nomes e funções. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho, por exemplo, já foi cotado para a Casa Civil e a Saúde, mas nos últimos dias parecia a caminho de uma reestruturada Secretaria Geral da Presidência da República.
Nesse jogo de pressões, balões de ensaio e muita especulação, algumas definições vão no entanto surgindo -e confirmam a impressão de que o primeiro time da futura presidente terá novidades, mas preservará, ao menos no início, feições do ministério de Lula.
A notícia de que Guido Mantega prosseguirá na Fazenda, conforme a Folha havia antecipado na edição de ontem, confirma essa tendência de deslizamento de setores do atual governo para o começo do próximo.
Prosseguir com Mantega -e talvez com Henrique Meirelles no Banco Central- teria a vantagem de propiciar à presidente eleita um princípio de mandato com menos turbulências numa área estratégica e sensível a especulações.
Embora as relações entre os dois possam ser vistas como conflituosas, pelo perfil mais "desenvolvimentista" do titular da Fazenda e a inclinação "ortodoxa" do banqueiro, o antagonismo transcorre de maneira já perfeitamente codificada, dentro de limites conhecidos. Por mais que divirjam -o que não deixa de ser um aspecto saudável e útil para o presidente- sabe-se que a disputa não chegará ao ponto da ruptura.
Há, além disso, o conhecimento que ambos detêm da operação em suas áreas e o reconhecimento conquistado nos fóruns nacionais e internacionais.
Se ao ex-ministro Palocci deve-se conceder boa parte dos méritos pela continuidade das diretrizes sensatas do período Fernando Henrique Cardoso, não há dúvida de que Meirelles, inicialmente visto com alguma desconfiança, soube reforçar a autoridade do BC.
Quanto a Mantega, que chegou à pasta cercado de interrogações, terminou por se mostrar efetivo em momentos decisivos, como no enfrentamento da crise financeira global de 2008.
A provável desvantagem de mantê-los em seus cargos está no fato de que o cenário mudou -para pior- e o próximo governo precisará promover uma inflexão na política econômica. A pergunta que se faz é se seriam os dois os melhores nomes para a tarefa. Além do efeito "fadiga de material", a gestão de Mantega está longe de ter se notabilizado por bons resultados fiscais. Artifícios foram usados para gerar saldos nas contas públicas e recursos foram direcionados para políticas e finalidades no mínimo duvidosas.
Quanto a Meirelles, cuja permanência é um tanto incerta, questiona-se até que ponto reuniria condições de resistir às injunções políticas. No mercado financeiro avalia-se que o BC teria deixado se influenciar por conveniências eleitorais ao interromper a alta da taxa de juros neste ano.
Manter a atual equipe econômica seria sem dúvida vantajoso à transição entre os dois governos, mas pode não ser o mais indicado para fazer decolar as novas políticas de que o país precisa.
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