quinta-feira, maio 20, 2010
Assim é, se lhe parece
Assim é, se lhe parece
Zuenir Ventura – O Globo – 19/05/2010
Você, não sei, talvez tenha entendido tudo e chegado a uma conclusão, a qual, qualquer que tenha sido, pode estar certa. Ou não. Já eu me senti na peça "Assim é, se lhe parece", de Luigi Pirandello, sobre pontos de vista contraditórios que confundem ilusão e realidade, aparência e verdade. Estou me referindo ao documento que os presidentes Lula e Ahmadinejad assinaram anteontem em Teerã. Alguém poderia dizer que nunca na história um acordo despertou tanto desacordo. Num primeiro momento, não tive dúvida de que representava uma incontestável vitória de Lula. "O danado antecipou de véspera que ia conseguir, ninguém acreditou, e ele conseguiu", pensei. "Agora ele vai querer o Nobel." Depois, vi que as coisas não eram bem assim. Ou eram para alguns, mas não para outros. Segundo as dezenas de opiniões manifestadas — de governantes, especialistas, observadores e jornais do mundo inteiro — o resultado foi um sucesso, ou nem tanto assim, ou mais ou menos, ou foi positivo, inócuo, um avanço, ou não vai adiantar nada. Em suma, teria sido um golpe esperto para evitar sanções, uma espécie de repeteco de compromisso semelhante assumido pelo Irã em outubro e não cumprido. Acertou quem apostou em "só o tempo dirá".
Sem desprezar os esforços de Brasil e Turquia para evitar uma guerra, eu estaria mais satisfeito (se isso tivesse alguma importância) se Lula, em vez de ficar afagando o monstro iraniano, tivesse atendido ao apelo de Shirin Ebadi, a juíza perseguida pelo regime dos aiatolás e exilada na Europa. Em entrevista a Deborah Berlinck, antes da viagem presidencial, ela pediu que Lula visitasse os prisioneiros políticos e suas famílias. "Há três dias", informou, "cinco deles foram executados, e não quiseram devolver os cadáveres às famílias". O crime dessas pessoas era pertencer a um grupo de minoria curda. "Infelizmente, há outros 18 opositores condenados à morte", acrescentou Shirin. "Todas as organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, estão indignadas."
Lula deve ter feito a mesma cara de não é comigo que fez quando em visita a Cuba soube que um prisioneiro político morrera em greve de fome. A juíza disse que "desejava muito" que Lula dissesse a seu interlocutor que "o Irã foi condenado 25 vezes por violação dos direitos humanos". Pois eu já teria me contentado se ao menos ele tivesse tido a coragem de dizer ao homem que nega o Holocausto (nega porque talvez fizesse pior) que o Brasil reconhece e considera hediondo o extermínio de seis milhões de judeus pelos nazistas.
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