sábado, maio 08, 2010
LIMITES DO ´JEITINHO´ BRASILEIRO
LIMITES DO ´JEITINHO´ BRASILEIRO
EDITORIAL - O GLOBO - 8/5/2010
Um dos trunfos do presidente Lula, em sua extraordinária trajetória política, sempre foi a capacidade de negociação. Isso já aparece nos seus tempos de líder sindical, em São Bernardo do Campo. O Lula presidente da República exerceu esse talento navegando entre posições aparentemente contraditórias — como quando manteve a política econômica do governo anterior ao mesmo tempo em que abria frentes audaciosas no terreno social. De sucesso em sucesso, ele pode ter sido levado a crer que bastava aplicar os mesmos talentos à política internacional, e os povos do mundo acabariam batendo palmas para o “jeitinho” brasileiro. Mas, nesse caso, ele pode ter sido vítima de um excesso de confiança. A filosofia lulista é de que uma conversa “olho no olho” é capaz de remover obstáculos aparentemente intransponíveis. Funcionou em São Bernardo. Parece ter funcionado em Brasília. Mas a ciência da diplomacia passa por outros caminhos. Ela é, em grande parte, a arte da dissimulação. Mesmo em se tratando de América Latina, a diplomacia lulista já dava sinais de não ter a sofisticação necessária para lidar com assuntos além-fronteira. Motivos ideológicos podem ter tido a culpa de sucessivos erros de avaliação — como no crédito ilimitado estendido ao coronel Chávez, à Cuba de Fidel Castro. Mas este, mal ou bem, é um terreno onde Lula é capaz de movimentar-se com um certo desembaraço. Bem diferente é um cenário como o do Oriente Médio. Ali, as camadas de história têm uma profundidade insuspeitada; e mesmo os especialistas na matéria são capazes de errar. O “olho no olho” pode se transformar em simples demonstração de ingenuidade. É o que já está sendo cobrado do presidente Lula. Para o governo americano, o presidente do Irã, Ahmadinejad, pressionado pela comunidade internacional, está simplesmente procurando ganhar tempo com o anúncio de que “aceitaria em princípio” a proposta brasileira de mediação. O ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, foi um pouco mais longe: afirmando que “Brasil e França se amam”, e que o presidente Lula é “um verdadeiro herói” ao tentar intermediar um acordo com o Irã, ele não esconde uma convicção: Lula está sendo “embromado” por Ahmadinejad. É o que parece mais provável, agora, ante declarações como a do aiatolá Khatami, influente no governo do Irã, de que o seu país, “pela graça de Deus, entrou no clube nuclear”. “Em relação à questão nuclear, vocês devem ver a nuclearização do Irã como um fato consumado” — acrescentou o clérigo. E mais: “Se vocês quiserem confrontar a nossa religião, nós vamos pôr em perigo todo o seu mundo.” As consequências do fanatismo religioso estão à vista de todos. Os homens-bomba são apenas um aspecto desse fanatismo; e eles encontram guarida em mais de um estado muçulmano. O presidente do Irã já manifestou, mais de uma vez, sua intenção de riscar Israel do mapa. Nesse contexto cultural e político, não será um pouco demais esperar que o “jeitinho” brasileiro consiga o que times inteiros de especialistas não conseguiram ao longo de décadas?
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