quarta-feira, maio 26, 2010
A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 3
A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 3
Por Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag
Negligência Custa Caro
Em contraposição, a Resolução Conama 315/02, que impõe um limite do teor de enxofre no diesel distribuído no Brasil a 50 partes por milhão (ppm) para a tecnologia P-6 (novos motores), a partir de janeiro de 2009 não foi aplicada. A proporção hoje é de 500 ppm nas regiões metropolitanas e de 2 mil ppm no interior. Na Europa, essa concentração é de 10 ppm e, nos Estados Unidos, 15 ppm. No entanto, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP – foi leniente na sua ação regulatória, o que levou a Petrobras a não cumprir a legislação ambiental e manteve o alto teor de enxofre no diesel, substância cancerígena e responsável pela morte de 3 mil pessoas por ano na cidade de São Paulo.
Nesse caso, é preciso destacar que o Brasil é o único país que conta com uma frota veicular que utiliza etanol em larga escala. O álcool etílico nas suas formas anidro e hidratado corresponde a 51% do combustível consumido por veículos leves, sendo o restante fundamentalmente gasolina e gás natural. No transporte pesado predomina o uso do diesel. A exemplo de outras grandes cidades do mundo, a bicicleta também serve de meio de transporte, e a prefeitura de São Paulo vem apoiando a expansão de seu uso desde 2005 – há cerca de 200 mil ciclistas na cidade. Nesse período foram implementados 20 km de ciclovias e bicicletários em dezenas de estações de trem e metrô, mas é necessário expandir rapidamente esse sistema para estimular seu crescimento e proporcionar segurança aos usuários.
A combinação de crescimento populacional, pobreza e degradação ambiental aumenta a vulnerabilidade às catástrofes climáticas. Nesse caso, é lamentável que a população com menor responsabilidade pela emissão de gases de efeito estufa seja a que mais sofrerá com suas consequências. Isso ocorre pela baixa capacidade de adaptação, moradia em zonas de risco, não acesso a moradias com infraestrutura básica de saneamento e pouco acesso à saúde – injustiça ambiental.
Estresse térmico é uma das condições classicamente associadas a efeitos sobre a saúde – extremos de temperatura afetam preferencialmente crianças e idosos. Grande parte da mortalidade aumentada por ondas de calor está relacionada a doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórias. As áreas urbanas, nesse caso, são mais afetadas que as rurais por diversos fatores, que incluem a supressão da vegetação capaz de estabilizar os gradientes de temperatura, umidade e regime hídrico. Parte substancial do solo das cidades foi pavimentada, chegando ao ponto de cerca de 30% a 40% da área central das grandes cidades brasileiras ser ocupada pela malha viária. As consequências do asfaltamento e impermeabilização das superfícies que retêm o calor– fachadas de vidro, concreto e o asfalto negro –, a supressão da vegetação e as emissões de automóveis são responsáveis por alterações climáticas em menor escala, as chamadas ilhas urbanas de calor. Esses fenômenos se manifestam no coração dos grandes conglomerados urbanos e provocam mudanças de regime e intensidade das chuvas e inundações, além de dificultar a dispersão de poluentes. Em São Paulo, as variações térmicas diárias podem chegar a até 10ºC.
Aquecimento e Clima
Em um estudo sobre as mudanças climáticas nas cidades e as interferências do aquecimento global, foram analisados e comparados dados de temperatura de superfície e umidade relativa da estação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG/USP) entre os anos de 1936 e 2005. Como resultados, verificou-se progressivo aumento das médias de temperatura de superfície (praticamente 0,038oC ao ano; em 70 anos, o acumulado foi de 2,66oC) e queda da umidade relativa na área urbana. Recordes nas séries históricas da cidade de São Paulo, em medições desde 1943, mostram que a temperatura máxima ocorrida na capital foi de 37,0oC em janeiro de 1999. Em 2009 chegou-se a de 34,1oC, mas em março. Em geral, verificou-se que as temperaturas máximas vêm batendo recordes a partir dos anos 90. Já a menor temperatura registrada na série histórica foi - 2,1oC, em agosto de 1955. Para as mínimas, os recordes (frio) ficaram em geral no início da série. Isso mostra que as temperaturas mínimas estão ficando mais elevadas, ou seja, as noites estão mais quentes. Isso é um forte indicativo da mudança no padrão de clima da cidade.
Em relação às precipitações, a chuva mais intensa em 24 horas ocorreu em maio de 2005, com 140,4 mm. Esse dado chama atenção para o mês em que ocorreu, pois em maio as chuvas já diminuíram bastante e a atmosfera em geral está mais seca, caracterizando um evento extremo e inesperado quando se pensa em climatologia da região. Em 2009, houve também o segundo inverno mais chuvoso de que se tem registro. Nos meses de junho, julho e agosto, foram registrados 332,3 mm de chuva, enquanto o normal esperado seria 131,1mm. Pesquisando-se o regime de chuvas da capital, entre 1933 e 2005, detectou se que as chuvas estão mais intensas e frequentes, talvez devido às ilhas de calor.
BRASIL2/ISTOCKPHOTO Superfície quase inteiramente impermeabilizada e adensamento de edifícios no centro da cidade respondem pelas ilhas de calor relacionadas aos temporais destruidores do verão.
Quanto à umidade mínima, em agosto de 2009 houve o recorde histórico de baixa umidade relativa do ar – 10%, o menor valor desde o início dos registros. Esse pode ser considerado um evento extremo na cidade. A alteração do ciclo hidrológico provoca eventos climáticos severos (inundações e falta de água potável), modificação do microclima (ilhas de calor) e perda de fontes de água, levando a doenças de transmissão hídrica e doenças respiratórias.
As inundações que se repetem com intensidade neste início de 2010 estão associadas a perdas de vidas e prejuízos materiais. Os impactos à saúde incluem afogamentos, doenças relacionadas à água contaminada (hepatite A, diarreia e leptospirose). Além da inundação, a chuva excessiva contamina reservatórios de água potável. Enxurradas podem tirar roedores de seus abrigos, criar locais para a reprodução de mosquitos e aumentar o crescimento de fungos nas casas.
Um exemplo clássico de como o desequilíbrio do ambiente pode influenciar o desenvolvimento de uma doença é a ocorrência recente da maior epidemia de dengue em 50 anos no Brasil. Apenas nos três primeiros meses de 2008, surgiram 60 mil casos no Rio de Janeiro, um doente a cada três minutos. A rede de saúde pública entrou em colapso, recorrendo a hospitais de campanha das forças armadas. As condições geográficas e socioeconômicas da cidade facilitaram essa propagação. Com o aumento da temperatura, o mosquito sobe o morro e encontra condições precárias, como pessoas aglomeradas e más condições de saneamento, acúmulo de água e sujeira, que facilitam a reprodução/ perpetuação.
Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag Paulo Hilário Nascimento Saldiva é médico formado pela Faculdade de Medicina da USP, professor titular do Departamento de Patologia e pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP. Coordenador do Instituto Nacional de Análise Integrada de Risco Ambiental do CNPq. Evangelina da Motta Pacheco Alves de Araújo Vormittag, médica consultora na área de saúde e sustentabilidade, é especializada em patologia clínica e microbiologia, com doutorado em patologia pela Faculdade de Medicina da USP e especialização em gestão de sustentabilidade pela Fundação Getúlio Vargas. Diretora- presidente do Instituto Saúde e Sustentabilidade.
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