quinta-feira, maio 06, 2010

Serra, Dilma e Ciro: três desencontros fatais

Serra, Dilma e Ciro: três desencontros fatais
Fernando Abrucio – ÉPOCA
É muito difícil um candidato não cometer erros ou contradições na campanha presidencial. Além da imperfeição que caracteriza os seres humanos, contribui para isso a enorme complexidade de nosso sistema político. A existência de partidos frágeis e fluidos, bem como de eleições regionais, que seguem uma dinâmica própria e nem sempre congruente com o pleito nacional, são dois ingredientes explosivos dessa miscelânea. Mas há certos desencontros que podem ser fatais.
Três histórias deste início de campanha mostram o que pode ser um grande problema para o sucesso dos concorrentes ao Palácio do Planalto. A primeira delas envolve o ex-governador paulista. O discurso de José Serra pode ter surpreendido muita gente, desde petistas até os oposicionistas extremistas que povoam a blogsfera, mas me parece uma boa aposta. O que ele está propondo são duas coisas: a primeira é que ele está disputando com Dilma, não com o presidente Lula. Como consequência, a campanha deve ser voltada para o futuro, não para o passado.
Só que a estratégia de Serra vai além: ele parte do pressuposto de que não se deve bater no presidente Lula. Ao contrário: quando possível, é bom elogiá-lo – repare que foi Serra, e não Dilma, o primeiro a parabenizar publicamente Lula por ter sido escolhido pela revista Time como um dos 25 líderes mais influentes do mundo. O raciocínio por trás dessa visão é que não se deve brigar com um mito em termos de popularidade, mas é possível defender a proposta de que a candidata do presidente não é a mais adequada para substituí-lo. É dessa maneira que o ex-governador de São Paulo se coloca como alguém mais preparado para o cargo.
A estratégia faz sentido e Serra parece, de fato, à vontade com tal discurso. Porém, numa inversão do teorema de Garrincha, ele precisa combinar com os aliados. Isso porque políticos do PSDB, do DEM e do PPS não param de falar mal de Lula. Nem mesmo quando o presidente ganhou um prêmio internacional que ajuda a imagem do país. Os oposicionistas no Congresso conseguiram lembrar que a disputa política aponta para a frente. Essa história pode se tornar um desencontro fatal, caso a dissonância entre Serra e seus apoiadores se repita em dezenas de palanques estaduais. O eleitor se perguntará: quem está sendo sincero? É preciso afinar o discurso dentro da oposição.
O candidato tucano foi o primeiro a parabenizar Lula. Mas seus aliados não param de falar mal do presidente
Problemas também batem à porta do governismo. Entre eles, destaca-se a dificuldade da candidata Dilma Rousseff de falar o que fará se virar presidente – ou presidenta, como queira. Não há dúvida de que a comparação com o passado lhe é favorável. Imagine ela comparando o número de empregos criados na era FHC com a multiplicação ocorrida no governo Lula. Mas o eleitor quer saber de duas coisas: primeiro, se ele está melhor agora do que no passado; segundo, se estará ainda mais satisfeito no futuro. Embora o retrovisor seja fonte importante para definir a opinião dos cidadãos, eles querem igualmente saber que estrada vão pegar.
Uma situação resume bem esse argumento. Imagine os debates entre Serra e Dilma. Entrevistadores perguntarão para ela o que deve ser feito para resolver os graves problemas do país. Ela poderá dizer que o Brasil está melhor do que no passado, só que isso não contentará dois tipos de eleitor: aquele que ainda vive cercado de carências, grupo que não é pequeno, e aquele que ascendeu socialmente, que poderá até ser grato ao presidente Lula, mas que vai seguir a velha máxima segundo a qual as pessoas “quanto mais têm, mais querem”. Cabe reforçar que mesmo o eleitorado lulista, sabendo que o nome de seu líder não estará na urna eletrônica, desejará ouvir de Dilma histórias que ela própria possa construir.
Serra e Dilma ainda têm bastante tempo e inteligência para resolver esses problemas. Quem não tem mais é o deputado Ciro Gomes. Ele teve um desencontro fatal com seu partido e só então percebeu que, por mais qualidades que tenha, ninguém pode ser candidato de si mesmo.
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters