"Foi um choque saber que, movidas por uma intriga boba, minhas melhores amigas haviam criado uma comunidade no Orkut só para me ofender e ameaçar. Logo, mais colegas se uniram contra mim. Diziam que se eu aparecesse na escola iam me dar uma surra e até me matar. Fui ficando apavorada, a ponto de só conseguir dormir na cama da minha mãe. Ia para a escola aos prantos, tremendo e com crises de asma. Emagreci 4 quilos. Meus pais chegaram a registrar queixa na delegacia. O pesadelo durou três meses, até eu sair da escola. É um episódio muito difícil de deletar da memória." Brenda Mayer, paulista, 16 anos
sexta-feira, maio 14, 2010
A tecnologia a serviço dos brutos
A tecnologia a serviço dos brutos
Um em cada seis estudantes brasileiros do ensino fundamental já foi alvo de bullying no mundo virtual. Isolamento, medo e até depressão são sinais evidentes desse tipo de violência
Roberta de Abreu Lima e João Figueiredo - Comportamento
A falta de ar e a tremedeira incontrolável eram sinais do pânico se apossando da estudante paulista Brenda Mayer, 16 anos, ao se aproximar da escola. Durante três meses seguidos, Brenda foi alvo de humilhações sistemáticas encabeçadas por um grupo de colegas do próprio colégio. O quadro acima é típico do bullying, o nome adotado no Brasil, em inglês mesmo, para descrever um fenômeno infantojuvenil tão torturante quanto antigo. A novidade é que, agora, ele também se dá pela internet. As colegas de Brenda criaram uma comunidade no Orkut com o único objetivo de agredi-la. Em pouco tempo, o site tornou-se ponto de encontro na rede para dezenas de colegas hostis a Brenda. As ameaças, terríveis mesmo para um adulto, eram deixadas no Orkut aos montes: "Se aparecer na escola, vamos quebrar a tua cara!" ou "Te mato". Brenda continuou indo à escola, onde as ameaças e piadas eram repetidas na presença dela. Isolada, sempre em prantos, a estudante emagreceu 4 quilos. Os pais registraram queixa em uma delegacia, mas nada mudou. O inferno de Brenda Mayer só terminou quando ela trocou de escola, mas o estrago feito vai durar muito tempo: "É impossível esquecer o massacre".
Ela precisou mudar de escola "Era nova no colégio quando uma amiga me contou que havia no Orkut seis comunidades intituladas Eu Odeio a Gabriela. Virei alvo de todo tipo de xingamento. A situação só foi piorando, e eu me sentia cada vez mais sozinha e impotente. O pior foi saber que eram colegas de classe que me humilhavam. Deprimida e sem receber por seis meses seguidos nenhuma ajuda do colégio, já avisado da situação, decidi, com o apoio dos meus pais, trocar de escola no meio do ano. As tais comunidades continuam até hoje na rede. É um capítulo da minha vida que luto para apagar." Gabriela Lins, paulista, 17 anos
O drama de Brenda ocorreu há quatro anos. Desde então o cyberbullying, o assédio covarde organizado por grupos contra uma pessoa e alimentado via internet, cresceu no Brasil. Uma nova pesquisa conduzida com mais de 5 000 alunos do ensino fundamental em todo o Brasil revela dados assustadores sobre o uso da internet para a organização de ataques à honra das pessoas. O levantamento feito pela Plan, uma ONG presente em 66 países, mostra a extensão do problema nas escolas. Pelo menos um em cada seis estudantes disse aos pesquisadores já ter sofrido agressões sistemáticas e organizadas na rede. A maldade dos agressores é potencializada pelo cyberbullying. As comunidades virtuais, os blogs e as correntes de mensagens são áreas de convivência dos adolescentes, locais em que eles se expõem, paqueram e trocam ideias. Ser privado dessa convivência ou, pior, ser alvo de ataques dos próprios colegas ali é devastador. Resume Brenda: "A autoestima desaparece".
Tomadas de vergonha, insegurança e na esperança de os ataques se estiolarem por não darem bola a eles, as vítimas de cyberbullying demoram a pedir ajuda. Mas os sinais do sofrimento aos poucos vão se mostrando. A vítima se atormenta, mas não resiste a querer saber até onde vai a ousadia de seus agressores on-line, o que a leva a passar mais tempo ainda diante do computador. A vida social praticamente deixa de existir. Ir ao colégio se torna um sacrifício, e isso se traduz na perda de desempenho acadêmico. Às dores de cabeça e de barriga seguem-se, em muitos casos, a depressão e a desorientação pela perda de duas das referências mais fortes de um jovem, a escola e a internet. "Passei a ter medo de me relacionar com as pessoas", diz a estudante paulista Gabriela Lins, 17 anos. Ela enfrentou as consequências de ter não uma, mas seis páginas intituladas Eu Odeio a Gabriela criadas no serviço mais popular entre jovens da internet brasileira. Os autores das agressões, como sempre ocorre nesses casos, eram seus conhecidos – colegas de turma na escola, já seus desafetos pessoais. "A relação deles com a internet é visceral, por isso a exposição negativa na rede lhes causa uma dor desmedida", resume a psicóloga Ceres Araujo.
Conflitos entre crianças e adolescentes fazem parte dessa fase da vida em que a afirmação da identidade é crucial. É quando, ainda muito inseguros, os jovens têm enorme dificuldade em lidar com as diferenças. O bullying é justamente a manifestação exacerbada dessa aversão. No grupo das vítimas típicas dessa forma de violência, figuram justamente os novatos na escola, os maus alunos, os tímidos, aqueles com compleição física fora do padrão e, obviamente, os primeiros da classe, alvos preferenciais dos invejosos. A especialista Maria Tereza Maldonado, autora de A Face Oculta – Uma História de Bullying e Cyberbullying, encontrou nas vítimas dessas torturas juvenis um traço comum: a baixa autoestima. Entre os algozes, Maria Tereza distinguiu as características típicas dos abusadores de todos os tempos: o impulso de impor sua liderança pela força. Mais de 10 milhões de jovens brasileiros de todas as idades passam pelo menos duas horas diárias ligados na internet. É tempo demais para muitos pais lidarem com o computador como as gerações passadas o fizeram com a televisão e usá-lo como babá eletrônica. Até os 15 ou 16 anos, a navegação na internet precisa de alguma supervisão paterna na forma de horários rígidos, conselhos ou conversas frequentes sobre o conteúdo e a interatividade na rede. Alguns programas podem monitorar automaticamente a navegação ou limitá-la de acordo com a idade do usuário do computador (veja o quadro abaixo). Para a psicóloga Ceres Araujo, os pais sem interesse na internet ou tecnofóbicos precisam mudar rapidamente de atitude para ser bons educadores: "Ficar alheio ao mundo dos filhos é uma péssima atitude".
A cena do filho chegando em casa da escola coberto de hematomas é clássica na literatura e no cinema. Como os pais reagem a ela também. Os brutos dão outra surra no menino, como lição para nunca mais apanhar na rua. Os sábios aconselham moderação e ensinam o menino a se defender. É raro na ficção – e, curiosamente, também na vida real – ver pais com coragem para ir até a escola com o objetivo de envolver professores e diretores no encaminhamento de uma solução para o problema das agressões físicas, verbais ou digitais. Mais raro ainda são escolas com uma política clara e eficiente para reprimir os agressores. A dentista Vanessa Lins, 39 anos, tentou sem sucesso obter ajuda para a filha. Lembra Vanessa: "Minha filha estava despedaçada, mas a diretora não se sensibilizou. Na visão dela, os ataques feitos via internet não eram problema da escola". Obviamente, essa atitude é covarde e injustificada, pois nenhuma escola deveria abrigar autores de tais agressões. A pedagoga Cleo Fante vê avanços no Brasil: "Já é consenso ver os colégios como agentes relevantes no combate às intimidações on-line. Não há mais como traçar uma fronteira delimitando responsabilidades da família e da escola, quando é evidente o papel harmônico de ambas na proteção dos alunos". O Colégio Bandeirantes, de São Paulo, incluiu na grade uma disciplina com o objetivo de orientar os estudantes sobre as potencialidades e os perigos da rede, tratando também do cyberbullying. A medida foi muito bem recebida pelos pais. "É reconfortante ver a escola empenhada em prevenir essa violência, da qual meu filho já foi vítima", diz a consultora de recursos humanos Priscila Scripmic, mãe de Dimitri, 12 anos.
"Senti ódio e vergonha"
"Quando uma amiga contou que haviam criado um perfil meu no Orkut, cheio de difamações, eu me enchi de ódio e vergonha. O site estava repleto de montagens com o meu rosto aplicado a fotos de atrizes pornôs, uma humilhação atrás da outra. Passei os dois meses que o pesadelo durou tentando adivinhar quem estava fazendo aquilo. Desconfiava de meus colegas. Virou uma paranoia. Consegui, enfim, tirar a página do ar depois que dezenas de amigos denunciaram o caso ao site. O colégio se posicionou, dizendo aos alunos como aquilo era perverso. Conto hoje essa história em palestras que a escola promove sobre o cyberbullying. Isso se tornou uma praga." Paola Alves, gaúcha, 17 anos
O norueguês Dan Olweus, pioneiro no estudo do bullying, alertava já na década de 70 para as nefastas consequências dos ataques impunes dos mais fortes contra os mais fracos no ambiente escolar. Olweus constatou a relação de causa e efeito entre a recorrência da violência física e psicológica e os casos de depressão infantil. A intimidação pela internet é apenas a versão do mesmo fenômeno. Ele vem crescendo com ímpeto semelhante ao do espalhamento da rede pelo mundo. O suicídio de uma adolescente americana de 13 anos, vítima de cyberbullying praticado por uma vizinha e sua mãe em 2006, levantou pela primeira vez a questão de como identificar e punir os culpados por esses ataques. O caso da menina americana ainda não obteve solução definitiva na Justiça, mas, como é praxe nos Estados Unidos, deve estabelecer uma jurisprudência orientadora de novos casos.
Ameaças até de morte
"Foi um choque saber que, movidas por uma intriga boba, minhas melhores amigas haviam criado uma comunidade no Orkut só para me ofender e ameaçar. Logo, mais colegas se uniram contra mim. Diziam que se eu aparecesse na escola iam me dar uma surra e até me matar. Fui ficando apavorada, a ponto de só conseguir dormir na cama da minha mãe. Ia para a escola aos prantos, tremendo e com crises de asma. Emagreci 4 quilos. Meus pais chegaram a registrar queixa na delegacia. O pesadelo durou três meses, até eu sair da escola. É um episódio muito difícil de deletar da memória." Brenda Mayer, paulista, 16 anos
"Foi um choque saber que, movidas por uma intriga boba, minhas melhores amigas haviam criado uma comunidade no Orkut só para me ofender e ameaçar. Logo, mais colegas se uniram contra mim. Diziam que se eu aparecesse na escola iam me dar uma surra e até me matar. Fui ficando apavorada, a ponto de só conseguir dormir na cama da minha mãe. Ia para a escola aos prantos, tremendo e com crises de asma. Emagreci 4 quilos. Meus pais chegaram a registrar queixa na delegacia. O pesadelo durou três meses, até eu sair da escola. É um episódio muito difícil de deletar da memória." Brenda Mayer, paulista, 16 anos
No Brasil não existem leis destinadas a punir especificamente os autores desses crimes. Os casos geralmente são enquadrados no Código Civil como crimes contra a honra, ofensa de natureza semelhante à dos crimes de calúnia e difamação. Nos raros casos julgados no Brasil, as condenações foram apenas pequenas multas para os pais e a prestação de serviços comunitários para jovens menores de 18 anos – reparações claramente desproporcionais aos danos causados. O catarinense Fernando Bruns, 17 anos, passou um ano inteiro sendo bombardeado por colegas de turma no popularíssimo site de relacionamento Orkut. Na escola, ele era ameaçado fisicamente e chegou a pedir ajuda a um policial. Hoje aluno de outro colégio, Fernando lembra: "Foi um pesadelo. Acabou. Não desejo a ninguém o mesmo sofrimento".
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário