terça-feira, agosto 24, 2010
Duro golpe à imprensa se vira contra Cristina
Duro golpe à imprensa se vira contra Cristina
Presidente argentina apresenta relatório que liga principais jornais à ditadura; entidades e oposição criticam líder
Mônica Yanakiew
Especial para O GLOBO
BUENOS AIRES. Numa nova investida contra os meios de comunicação do país, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, apresenta hoje um relatório de 400 páginas, revelando supostos vínculos entre os principais jornais e a ditadura (1976-1983), para compra da Papel Prensa. A divulgação do documento provocou reações de entidades de imprensa, da oposição e dos principais jornais do país, que manifestaram preocupação com a liberdade de expressão argentina.
De acordo com a denúncia do governo, cuja bandeira tem sido a defesa de direitos humanos, trata-se de mais um crime do regime militar.
Tanto os políticos da oposição, quanto os jornais “La Nación” e “Clarín”, garantem que é mais uma manobra do Estado para controlar a imprensa.
Durante o fim de semana, os diários publicaram editoriais denunciando as manobras do governo para coibir a mídia, comparando a política de Cristina com a do venezuelano Hugo Chávez.
Ontem, os jornais receberam apoio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), que manifestaram preocupação com as “ameaças à liberdade de expressão na Argentina”.
— Cristina Kirchner inventa causas de direitos humanos e inicia processos de lesa-Humanidade para ficar com bens de outros e, assim, dominar a opinião pública. Seu objetivo é apoderarse da Papel Prensa. Sem papel, não existe imprensa — afirmou Elisa Carrió, líder da Coalizão Cívica, da oposição.
Governo questiona legitimidade da compra Criada em 1972, a Papel Prensa fabrica e fornece papel para 170 jornais argentinos, abastecendo 75% do mercado. Seus principais acionistas são “Clarín” (49%), “La Nación” (22,5%) e o Estado argentino (27.5%). Agora, o governo questiona a legitimidade da aquisição da empresa — ocorrida há 34 anos —, alegando que os antigos donos foram praticamente obrigados a vender porque estavam sendo perseguidos pela ditadura.
Segundo Beatriz Paglieri, representante do governo na direção da Papel Prensa, o relatório de 400 páginas contém “provas irrefutáveis da cumplicidade entre a ditadura e os donos dos jornais ‘Clarín’,‘La Nación’ e ‘La Razón’”, que teriam se aproveitado da conjuntura política para comprar a empresa a um bom preço.
Num comunicado à imprensa internacional, o “Clarín” e o “La Nación” defenderam-se do que garantem ser “falsas acusações”.
Segundo os diários, elas fazem parte de um plano para expropriar a empresa — na qual investiram US$ 140 milhões — para poder “controlar e manipular” os meios de comunicação.
A Papel Prensa pertencia a David Graiver, empresário e banqueiro que tinha ligações e negócios tanto com os militares quanto com o grupo guerrilheiro Montoneros. Em agosto de 1976, poucos meses após o golpe militar, ele morreu num acidente aéreo no México. Seu império, que incluía bancos na Bélgica e nos Estados Unidos, começou a desmoronar, e os credores começaram a bater na porta da viúva, Lídia Papaleo, que vendeu ativos para saldar dívidas.
Mais um golpe ao “Clarín” em uma semana A empresa foi vendida em novembro de 1976 aos jornais “Clarín”, “La Nación” e “La Razón”.
Cinco meses depois, em março de 1977, Lídia Papaleo e outros parentes de seu marido foram presos e torturados pelos militares, que investigavam as ligações de David Gravier com os Montoneros.
— Quando Lídia Papaleo vendeu a Papel Prensa, estava em liberdade.
Foi presa quase meio ano depois por causa da ligação de David Graiver com a guerrilha.
E quando a ditadura caiu, ela não saiu à frente para dizer que tinha sido obrigada a vender a empresa. O governo quer transformar este caso num crime de lesa-Humanidade para dar mais um golpe nos meios de comunicação — disse ao GLOBO um advogado do Grupo Clarín, sob condição de anonimato, acrescentando que não é coincidência que o governo faça da denúncia um show público.
O relatório sobre a Papel Prensa será apresentado hoje num ato na Casa Rosada para o qual foram convidados empresários, políticos, diplomatas e jornalistas. Será o segundo golpe sofrido pelo Grupo Clarín em menos de uma semana: na quinta-feira passada, o governo cassou a licença de Fibertel (uma das empresas do maior conglomerado de mídia do pais), para prover serviços de internet a seus mais de um milhão de clientes.
Os conflitos entre o governo e imprensa datam de 2008, quando o “Clarín” apoiou os ruralistas num confronto com Cristina Kirchner. Em outubro de 2009, foi aprovada uma polêmica lei apresentada pelo governo contra os monopólios da mídia. Além disso, a proprietária do grupo, Ernestina Herrera de Noble, está sendo investigada pela Justiça: ela é suspeita de ter adotado, na ditadura, dois filhos de desaparecidos.
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