segunda-feira, agosto 30, 2010

Escalada da violência no Brasil está incontrolável

Escalada da violência no Brasil está incontrolável
Eliano Jorge – Portal Terra

As duas maiores cidades brasileiras foram assombradas, nas últimas semanas, por ataques criminosos e revolveram as piores lembranças da insegurança do País. Em São Paulo, policiais e veículos sofreram atentados. No Rio de Janeiro, um grupo invadiu um hotel e sequestrou hóspedes.
- A escalada da violência no Brasil está incontrolável - diagnostica o pesquisador Luis Mir em entrevista a Terra Magazine.
Especialista em violência, ele assinala que esses episódios se banalizaram. O que era exceção virou regra.
- Tanto a polícia quanto a micro e a macrocriminalidade decretaram estado de guerra, privatizaram belicamente o espaço público. São inadmissíveis, sob qualquer aspecto, hoje as recomendações dadas à população para se proteger da violência. Se temos que defender privadamente a nossa casa, a escola dos nossos filhos, as ruas em que nos locomovemos, então vamos deixar de pagar impostos, de pagar o tributo ao Estado pelo que deveria ser a manutenção da legalidade, da Justiça, dos direitos básicos.
Luis Mir identifica uma cultura de violência que se apoderou da sociedade. "O marginal, o bandido, o assaltante tem que ser investigado, preso, julgado e condenado. A partir do momento em que o Estado o mata como deliquente antes desse processo democrático, legal e jurídico, o Estado estabeleceu a Lei do Talião: 'Olho por olho, dente por dente'. E eles também vão matar. Vão matar inocentes em assaltos", adverte.

Covardia
A banalização da violência acaba destruindo os limites. "Quem dispara contra uma pessoa desarmada é um covarde, seja policial, seja bandido. Não há outra classificação. Os covardes, no Brasil, matam inocentes", afirma o pesquisador.
Ele insiste na importância da legalidade:
- A política de monopólio legal da violência pertence ao Estado. A sociedade não pode abdicar de o Estado ter os mecanismos legais, judiciais, jurídicos, penitenciários, policiais, para fazer prevenção, coerção e repressão, que é o uso da força bruta contra pessoas e deve ser o último recurso.
O especialista discute a providência de usar segurança armada para proteger a joalheria de um shopping de luxo paulistano após sequência de assaltos. "O que vai acontecer? Tiroteios dentro dos shoppings?", reprova. "A solução foi transformar as casas em minipenitenciárias. As ruas ficam desertas a partir das 8h da noite nos principais espaços metropolitanos do Brasil inteiro. Sair à noite para se divertir se tornou um risco".
Ainda assim, Mir teme que a situação piore. "Já existem ruas fechadas, milícias privadas fazendo rondas, temos um exército de 1,5 milhão de seguranças privados. O que mais falta para termos vigilâncias armadas dentro das nossas casas?"
Não que os cuidados não se justifiquem. "Há uma violência indiscriminada e generalizada. Vai do roubo de frango no supermercados ao roubo de cargas milionárias de produtos eletrônicos, objetos de arte", descreve.

Eleições
Para o especialista, as atuais campanhas eleitorais não melhoram a perspectiva de redução da violência.
- Quem se interessa com os campos de concentração: as favelas? Quem está dentro não sai, quem está fora não entra. Neste País, alguém se incomoda com os pobres, as principais vítimas da violência? Os ricos se defendem, bem ou mal, com razão ou sem razão, invocando interesses legítimos: defesa patrimonial e familiar.
Luis Mir segue: "E os trabalhadores? E os milhões de pessoas que são obrigadas a fazer migrações urbanas diárias, entre os locais de trabalho e as zonas periféricas segregadas? São assaltadas nos ônibus. São humilhados".
Ele critica a qualidade de vida da maior parte da população:
- O gado é melhor transportado. Não pode se machucar, sua carne não pode perder valor, tem que chegar absolutamente intacto, sadio. Agora, o transporte público metropolitano, no Brasil, é desumano, absolutamente caótico, humilha as pessoas.
Outros absurdos se tornaram habituais para os brasileiros. "Não podemos aceitar que uma pessoa seja baleada na calçada porque policiais e bandidos resolveram tirotear em locais públicos. Não dou este direito a eles", frisa Mir.
Ele pondera a atuação das forças de repressão. "Não vamos demonizar os policiais. Não vamos degradar o Estado democrático e os direitos fundamentais, não vamos pedir que a polícia saia matando. A bala não escolhe entre inocentes e culpados", diz.
E desmistifica um personagem emblemático da violência urbana:
- Não há bala perdida, alguém a disparou e esta bala atingiu um inocente. A bala não se move sozinha, não tem vontade própria, não tem força própria.
Ele lamenta que, em 2005, as urnas não tenham implementado uma mudança: "Perdemos uma grande oportunidade, que seria um gesto coletivo, uma demonstração efetiva de pacificação, quando fizemos o plebiscito do desarmamento, de proibir a venda de armas".
Como prevenção, Mir defende que as armas de fogo sejam tiradas de circulação. "É muita arma. A indústria de armas não está preocupada em quem suas armas vão matar. Está preocupada em vender armas. Aquela arma pode ser usada para matar uma criança, um idoso, pode ser contrabandeada ou utilizada por um marginal. Tem que fechar as fábricas de armas".

Trânsito
Manejando conceitos e exemplos práticos, Luis Mir examina seu objeto de estudo. "A violência não é um processo dissociado. Não existe um único tipo de violência nem podemos generalizá-la. Não podemos falar em violência mediana ou violência aceitável: 'Isso não faz mal, não provocou a morte'. A violência é total. Das violências interpessoais, sociais e do Estado, a morte de um inocente é o máximo de violência".
Isso se expressa fortemente no trânsito, na sua opinião. "A violência começa quando um pedestre se sente literalmente ameaçado de morte e tem que passar correndo na sua faixa. De repente, tem uma pessoa com uma arma de 900 quilos que pode matar aquele pedestre. A pessoa não respeita a faixa, não respeita o semáforo, não respeita o limite de velocidade, ela dirige alcoolizada, ela mata. Mata um inocente".
Existem regras suficientes para combater isso, deixa claro Mir, porém estão longe de funcionar:
- O Código Brasileiro de Trânsito é uma lei modelar, lapidar, exemplar, um esforço notório de legisladores, médicos, advogados, pesquisadores, enfim, todas as pessoas envolvidas no que se chama custo social da violência. De repente, ele não consegue se tornar uma ferramenta de prevenção, de coerção da alcoolemia, desta praga mortal do álcool.
Para o especialista, a principal causa de mortes no trânsito não é evitada devido à incapacidade estrutural dos órgãos responsáveis no País. "A alcoolemia dos motoristas brasileiros é inaceitável. O motorista brasileiro bebe muito. Portanto, as autoridades de trânsito municipais, estaduais e federais têm condições operacionais, quadros, recursos, bafômetros, de colocar em vigor pleno essa lei? Não".

A origem
Além da impunidade, existe a punição desmedida. "O sistema penitenciário está em colapso. Pelo último cálculo, temos cerca de 40 ou 45 mil pessoas detidas injustamente. Porque já cumpriram sua pena. Cometeram crime, foram presas, julgadas e condenadas. Uma vez que cumpriram a pena, elas não são soltas", denuncia Luís Mir.
Para ele, a culpa disso não é do Poder Judiciário. "Não podemos dizer que o juiz, o desembargador ou o ministro necessariamente está adotando um comportamento moroso ou inadequado. Não há condições. Os tribunais estão atolados porque há uma onda de violência endêmica no Brasil".
O pesquisador contextualiza historicamente os precedentes das graves ocorrências recentes:
- Na década de 80, da crise econômica, tivemos um surto, uma pandemia de violência, fruto da situação social aliada a uma falência operacional do Estado. Sugiram facções criminosas organizadas, a falência do poder de ivestigação, prevenção e repressão do aparelho policial civil e militar. Houve um desequilíbrio no monopólio legal da violência por parte do Estado, que retoma esse controle de 1995 a 1998.
Literalmente o exército ataca tanto a microcriminalidade individual quanto a macrocriminalidade, em que a ponta visível são as 499 vítimas depois daquela insurreição do PCC em São Paulo. Foi o ápice de um enfrentamento da micro e da macrocriminalidade com o Estado, que responde violentamente, faz um massacre e temos uma escalada de mortes por ações policiais, a maior da nossa história. Houve uma baixa na ascenção da criminalidade, mas foi muita temporal, casuística, de dois ou três anos. A guerra civil voltou a se aprofundar, como previsto.
Nos anos 2000, explica, "milícias passaram a se organizar nas áreas segregadas e abandonadas pelo Estado", a guerra civil migrou, diante do cerco policial, dos grandes centros para o interior. "O principal dado da degredação da conviência urbana no Brasil é que as praças, as ruas, as avenidas foram transformadas em zonas de guerra. Isso é indiscutível".
É possível solucionar a questão, acredita Mir. "Não se tomou uma política de, primeiro, identificar as causas reais da violência; e, segundo, combater a violência como objetivo estratégico nacional. Vamos ou não vamos pacificar o País? Isso começa nos operadores do Estado, aparelho judicial, aparelho penitenciário, aparelho policial, aparelho político, as representações sociais", afirma.

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