Moçambique busca igualdade de gênero com novas leis e incentivo à educação
15/08/2010 - 08:10 | Elea Almeida e Gabriel Fernandes | Maputo – Opera Mundi
As mulheres em Moçambique vivem duas situações paradoxais na atualidade: por um lado, ocupam 40% das cadeiras no parlamento e um terço dos cargos em ministérios; por outro, não têm voz na sociedade ou incentivo à educação. A porcentagem de analfabetismo entre o gênero feminino é de 68%, enquanto entre o masculino é de 36%. A participação feminina na política – em cargos de liderança – é uma das maiores no continente. Contudo, as moçambicanas precisam enfrentar em seu cotidiano uma cultura e sociedade repressiva e machista.
Um dos consensos entre as organizações não-governamentais é o de que uma emancipação feminina concreta em Moçambique só acontecerá quando as bases de educação forem iguais para ambos os gêneros, o que não se relaciona diretamente com a porcentagem de mulheres no parlamento ou ministérios. O grande desafio, porém, está em superar as raízes culturais da desigualdade e da falta de valorização da educação para as meninas, parte de um trabalho que deve ser realizado junto à população, em especial nas zonas rurais.
Maria Elias Jonas, governadora de Maputo: "Quando educada a mulher sabe a importância da educação"
O ministério da Educação vem tomando medidas nesse sentido, na tentativa de informar sobre a importância da educação para todos e manter as meninas na escola. “Observamos que muitas garotas não iam à escola porque tinham que buscar água em locais muito distantes. Então, construímos poços nas comunidades. Resolvemos o problema de falta de água e as meninas podem ir à escola”, esclarece o vice-ministro Arlindo Chilundu. Como consequência disso, uma mãe que teve sua devida formação vai saber da relevância da educação na vida de uma pessoa e não vai deixar a filha ficar fora da escola. Por isso também há um grande incentivo atualmente para cursos de alfabetização para adultos, em especial as mulheres que se viram obrigadas a abandonar os estudos ainda meninas.
A agricultora Lídia Sitoe, moradora da zona rural da província de Maputo, é exemplo disso, voltando à escola após 48 anos fora. Toda a noite, depois de preparar o jantar para o filho mais velho, desempregado, e mais cinco netos, ela se arruma e vai ao curso de escrita e leitura que é dado na própria comunidade. “Quando educada a mulher sabe a importância da educação. Caso não tenha estudado não vai dar a mesma importância”, explica Maria Elias Jonas, governadora de Maputo.
Novas leis
Educação de meninas é chave para a busca de liberdade política e econômica em Moçambique
Além dos esforços na área de educação, em 2004 foi colocada em vigor a nova “Lei da Família” no país, implementando mudanças essenciais para a vida da mulher. Antes disso, quando a esposa enviuvava, além de perder o marido, fonte de sustento, perdia também o direito sobre os bens, que eram disputados pela família do homem. Sem herança e com acesso restrito ao crédito por discriminação nos bancos, a viúva afundava na pobreza. Agora, o acesso aos bens é garantido pela lei, mas em muitos casos ela não é executada.
Outra diferença aconteceu na questão do casamento de moçambicanas com estrangeiros. Quando uma mulher se casava com um marido estrangeiro, ela perdia sua nacionalidade automaticamente. Essa situação foi alterada.
A nova Lei da Família também dá às mulheres o direito de denunciar violência doméstica e receber proteção, além de estabelecer regras que influeciam o dia-a-dia da vida familiar para dar mais voz às esposas.
Anteriormente, o marido era visto pela legislatura moçambicana como o chefe da família responsável por todas as decisões referentes à vida de seus membros. Sendo assim, era o único com poder de decisão sobre os bens econômicos, além de ser o único com poder de decisão na criação dos filhos. A mulher não podia, por exemplo, matricular seus filhos na escola ou deixá-los de castigo sem a permissão do marido, segundo a lei. O homem tinha inclusive o direito de quebrar o contrato de trabalho da mulher com a empresa onde ela trabalhava se assim julgasse melhor.
Com os esforços unidos do governo moçambicano, as organizações estrangeiras e nacionais e a sociedade civil, a situação feminina vai se transfigurando aos poucos, sempre perseguindo o objetivo de dar igualdade de voz não só nas questões referentes à criação dos filhos e à vida conjugal, mas também na sociedade e decisões políticas. “Uma coisa é liberdade política, outra é a liberdade econômica da mulher, que passa necessariamente por intensificar o acesso da mulher à educação. Um trabalho para a emancipação completa da mulher vai levar muito tempo”, reforça Ana Rita Sithole, deputada já em seu quarto mandato.
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