segunda-feira, agosto 16, 2010

O Estado privatizado na eleição

O Estado privatizado na eleição
Suely Caldas - O ESTADO DE S. PAULO

"Ministro tem que ser ministro. Se alguém quiser fazer campanha política depois do expediente, faça, em carro particular. Façam o que quiser, mas quero eles trabalhando", avisou o presidente Lula aos seus ministros e à imprensa na segunda-feira. Aí eles obedeceram, não foram às ruas nem a comícios e trabalharam trancados em seus gabinetes... para ajudar na campanha de Dilma Rousseff, em escancarado uso eleitoral da estrutura do Estado e da máquina pública - que pertence aos brasileiros, não a partidos políticos - em defesa de um candidato.
Na terça-feira o ministro Guido Mantega dispensou seu secretário de Política Econômica e decidiu ele próprio divulgar para a imprensa o rotineiro boletim Economia Brasileira em Perspectiva, que desta vez trazia uma empolgante novidade: comparava os desempenhos dos governos FHC e Lula com números (alguns errados) cuidadosamente fisgados para mostrar fracasso e sucesso de um e de outro. Assim, sem sair do gabinete, o militante Mantega socorria Dilma que, em entrevista à TV Globo na noite anterior, culpou o governo FHC pelas baixas taxas de crescimento nos sete anos do governo Lula. Horas depois os números viraram manchete no site da campanha da candidata.
Não foi só Mantega. Atento à entrevista do oposicionista José Serra à TV Globo, na quarta-feira à noite, seu colega José Gomes Temporão ordenou aos funcionários imediata e urgente resposta às críticas feitas pelo tucano na entrevista. Agiu rápido: às 22h30 o Ministério da Saúde disparava e-mails para a imprensa contestando os dados apresentados por Serra e glorificando a atual administração na Saúde. Grudada e dependente de Lula nesta eleição, o maior trunfo de Dilma é a gestão do padrinho. Por isso mesmo Lula orientou os ministros a reagirem imediatamente, menos para exercer o direito de defender seu governo e mais para impedir que críticas da oposição prejudiquem sua candidata. Novamente, a versão do Ministério da Saúde foi parar no site de Dilma.
O ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, não foi tão rápido. Só no dia seguinte divulgou nota explicando a falta de investimento em estradas e as falhas denunciadas pelo tucano nas rodovias paulistas. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traiu sua tradição histórica de órgão técnico para se transformar num apêndice político a serviço do governo Lula, não poderia ficar de fora da campanha eleitoral. Na quinta-feira divulgou estudo sobre a influência dos municípios no PIB, defendendo a ampliação de programas do governo Lula, incluídos nas propostas de Dilma, para reduzir desigualdades regionais. Sob o comando do petista Marcio Pochmann, seus economistas não precisam ir às ruas gritar pelo nome de Dilma. É mais eficaz usar suas horas de trabalho, funcionários de apoio, estrutura e computadores do Ipea.
Com Lula à frente, seguido pelos petistas trazidos para ajudá-lo a governar, há quase oito anos o País passou a ser administrado com o bastão do interesse político-partidário-eleitoral comandando ações e decisões do governo. O PT passou 20 anos na oposição contestando todos os governantes que o antecederam, com o único e obsessivo propósito de derrotá-los. No Congresso não avaliava as propostas pelo interesse da população e do progresso do País. Era contra por pura selvageria, pela oposição "a tudo o que está aí", sem definir o quê. E pronto. Foi contra a política econômica de FHC, que depois adotou; contra o Bolsa-Escola, que preservou e rebatizou de Bolsa-Família; contra até o Plano Real, que derrubou a inflação.
E, quando finalmente chegou ao poder, trouxe para o governo sua prática de 20 anos: o interesse político-partidário-eleitoral passou a comandar as decisões do governo. Para isso aparelhou o Estado com seus militantes e os de partidos aliados loteando milhares de cargos públicos. Nesse jogo de poder, e ainda mais nesta eleição, Lula e o PT misturam público e privado, abusam do uso do Estado, ofendem e desrespeitam os brasileiros. Como já disse o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga: "É preciso reestatizar o Estado."
Jornalista, é professora da PUC-RIO

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