quinta-feira, setembro 09, 2010
O limite do tirano
O limite do tirano
O tirano mais vivo, mais esperto ou mais hábil, consegue jogar a conta para depois da sua morte. Só que alcançar esse feito não é para qualquer um
Por Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
Todo tirano ou candidato a tirano corre o risco de certo dia topar com um limite. Mais cedo ou mais tarde. Ainda que do psiquismo tirânico não costume constar essa noção: a do limite para o exercício do poder. Há tiranos como Adolf Hitler, que na busca patológica do poder ilimitado arrastam suas nações à ruína. Outros, como Sadam Hussein, vão tão longe que não deixam saída para si próprios.
O governo do Irã, aparentemente, decidiu recuar da sentença de morte por apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani. Ela está condenada por “adultério”, com o detalhe de ter praticado as relações extraconjugais quando já era viúva. As autoridades daquele país acenam com a possibilidade de enforcá-la, e para contrabalançar a pressão mundial ensaiam agora condená-la por homicídio.
É um sistema jurídico singular: se a pena parece severa demais para o delito, agrava-se a acusação.
O arcabouço judicial do Irã é assunto exclusivo deles, um país soberano. O interessante no episódio é finalmente Teerã ter precisado recuar em algum assunto. À primeira vista, o recuo resulta das fortes pressões globais em defesa dos direitos humanos. Mas a equação é um pouquinho mais complexa.
O principal desafio político da liderança iraniana é evitar o isolamento internacional, e assim comprar tempo para o desenvolvimento do programa nuclear. O Irã afirma ser ele inteiramente voltado para fins pacíficos, mas é nula a confiança planetária nessa garantia. Nem os aliados do presidente Mahmoud Ahmadinejad se animam a colocar a mão no fogo pelas intenções dele.
Você duvida? Procure no Itamaraty alguém que nas conversas a sério diga acreditar nas promessas pacifistas de Ahmadinejad. Se encontrar, avise.
Os amigos da atual liderança iraniana apostam num estratagema. Enrolar a plateia durante tempo suficiente para a bomba dos aiatolás virar fato consumado, com o decorrente rearranjo de forças regionais e planetárias.
Por esses cálculos, um Irã nuclear significaria o enfraquecimento estratégico da influência dos Estados Unidos no Oriente Médio, com ameaça direta à estabilidade dos principais aliados de Washington (Arábia Saudita, Egito) e possibilidade de colocar em xeque a sobrevivência de Israel como estado judeu.
Mas uma linha dessas exige tempo, e pede também medidas que dificultem a construção de uma aliança das superpotências voltada a neutralizar militarmente o Irã antes do tal fato consumado. Pois nem russos nem chineses parecem animados com a possibilidade de o vizinho adquirir esse poder de fogo.
Sorte de Sakineh Ashtiani. Não há garantias de um bom destino para ela, mas a situação já está melhor do que tempos atrás. Interessa agora aos algozes transmitir ao mundo sinais de compaixão, de humanidade, de justiça. Para evitar que engrosse a corrente mundial de opinião pública favorável a mais sanções, ou mesmo a uma solução militar para o impasse sobre o programa nuclear iraniano.
Abri esta coluna falando dos limites à tirania. Como demonstra o caso de Sakineh, mas não só o dela, o tirano pode até construir para si um mundo mental adaptado à mitologia que mais lhe convém, mas a realidade sempre acaba batendo à porta. O tirano mais vivo, mais esperto ou mais hábil, consegue jogar a conta para depois da sua morte. Só que alcançar esse feito não é para qualquer um.
Nem aí
E segue a cascata de revelações espantosas na Receita Federal. Quando é que alguém vai tomar providências práticas para que o cidadão comum, o contribuinte comum, possa voltar a acreditar que as informações repassadas ao fisco estão bem guardadas?
Porque até agora o governo só tratou do assunto no âmbito político. Como se não devesse qualquer tipo de satisfação às pessoas que se lixam para a guerra entre o PT e o PSDB, mas que declaram e pagam os impostos como manda a lei.
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