quinta-feira, outubro 28, 2010

Carta a uma mulher

Carta a uma mulher
Pedro Bial – O Globo – Segundo Caderno
Querida Ely, lamento escrever diante de tantas testemunhas, só me restou essa forma de registrar minha alegria, júbilo, ao saber que andas lendo essas linhas confessionais, rematadas declarações de paixão pela paixão. Peço também ainda mais grandeza de espírito e compreensão a todos os generosos leitores, afinal, homens ou mulheres sabem a importância que tem uma mulher, ainda mais se rubro-negra, ainda mais se passa a ler o caderno de Esportes por sua causa.
Nesse caso, trata-se de uma daquelas dívidas que mulheres tramam tão bem, jamais poderei pagar e lamberei os pés da credora amada até todo o sempre.
Isso se sobreviver às próximas, últimas, sete rodadas do Campeonato Brasileiro. Vivo entre a agonia e o êxtase. Tenho amigos diligentes, tentando reservar por antecipação lugares em todos os estádios onde irá jogar o Flu. E o time jogará as últimas partidas completo, esta a única certeza, nossa única e imortal integridade; completo, bem entendido, com onze jogadores. Pois não há cartilagem, fibra muscular, ligamento, articulação óssea, não há contusão — antigamente era assim que se chamava lesão — que não nos atinja. E ainda assim, seguimos, com o ânimo inteiro, renascido, incólume e invulnerável como só o Conca, camisa 11 — vale por dois, vale por onze.
Alguns dizem, nos melhores chopps e salgadinhos da Muda ali pertinho do Santos Anjos, que Conca não se machuca... Quem disse? Conca vem jogando, há pelo menos dois meses, no sacrifício, com operação no joelho marcada para dezembro. Além de conviver com dores aflitivas nas solas dos abençoados pés. Diante da bola que vem mostrando, alguém fez a pergunta: “Conca, você não pensa em jogar na Europa?” . E Conquita, amigo de meu filho, respondeu, com o português que agora domina: “Não. Minha Europa é o Fluminense”.
Não me venham os poderosos de plantão regatear a renovação do contrato do maior ídolo do Flu desde Thiago Silva, façam-me o favor. Futebol não é pôquer.
Ely, minha querida Ely, meus amigos se apressam em reservar bons lugares para sofrer essa espetacular reta final. Eu reservo leitos hospitalares, acho mais adequado. Acerto um bom “payperview” com clínica ou casa de repouso, um soro bem dosado no ansiolítico, uma cama resistente e pronto, estou tranquilo e equilibrado.
Para nosso primeiro embate, que promete ser o mais encarniçado, contra o Grêmio de Renato Gaúcho, algo me dá confiança e um bom pressentimento: os ensinamentos de Sigmund Freud.
Por falar num especulador que elevou suas ideias a um pensamento de rigor científico, penso na inversão da aparente falta de rigor da numerologia, científica para quem a abraça.
No universo em folha-seca do futebol, os homens determinam o destino dos números, ao avesso da numerologia. O que seria do número 10 sem Pelé? Para alguns sábios, a existência de Maradona já teria se justificado só para prover o outro lado da moeda 10, um lado de lata, porém brilhante, humano em oposição à face divina e dourada de Pelé.
Por exemplo: mais do que o travessão, tenho para mim que, entre a marca do pênalti e a rede, a camisa 70 espantou aquele gol de Neneymar, na vitória do Grêmio Prudente, vitória bem típica desse Brasileirão 2010.

Típico também o triunfo do renascente Atlético Mineiro sobre o co-líder Cruzeiro, comandado por Obina, portando uma esdrúxula camisa 27, 2+7= 9, um 9 como só a Gávea ousaria criar.
Ronaldo Fenômeno confirmou que joga mesmo hoje, contra o Mengão de Vanderlei Luxemburgo.
Só que Luxa deve contar com a volta de Val Baiano, 9, também, segura!
Meu primeiro ídolo foi um 9.
Flávio, o Minuano, elegância no passo largo, tanque rompedor, sabia jogar, grande cobrador de faltas. Gaúcho negro (na época chamava-se mulato) bonitão, namorava a cantora Doris Monteiro. Decidiu de sem-pulo o Carioca de 1969, narração de Jorge Cúri (sei de cor, um compacto foi distribuído na época, do outro lado, tinha o hino do clube. Não podia ouvir em dia de jogo! Dava falta de sorte) : “ Bate Galhardo, entrega a Oliveira, este é assediado por Rodrigues Neto, bola para Cláudio, tabelinha com Samarone, lança para Flávio, emenda, é Gol!” .
Feliz do time com um excelente camisa 9. Aprecie a paciência, ou o esforço para tal, de corintianos e tricolores.
Enquanto Fred não volta, Washington vai fazer e vai fazer bonito. E não será cobrando pênalti.
Coração Valente, vai por mim, esquece essa camisa 99. Pede a opinião do Muricy, da família, dos amigos em quem você confia. Por mim, larga essa 99, e veste a boa e boa camisa 9 para cumprir aquilo para o qual você foi desenhado. Mete gol. Com a 9, camisa número 9!
Ely há de concordar: é com a 9, camiiiiisa número 9!

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