sábado, novembro 13, 2010

Em outro tom

Em outro tom
EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO - editoriais@uol.com.br
Surgem alguns indícios de que, na política externa, futuro governo Dilma não pretende reproduzir os traços mais criticáveis de Lula
Não foge à natureza das coisas políticas o fato de que, aos poucos, a presidente eleita Dilma Rousseff venha dando indícios de sua disposição para impor ao futuro governo uma marca pessoal - afastando-se do padrão reflexo que, durante a campanha, vinculou-a ao presidente Lula.
Do que se intui do noticiário, não se resume à acomodação pontual dos novos assessores e das velhas alianças o incipiente movimento de inflexão. É numa área em que o atual governo acumulou vários desacertos -a da política externa- que se notam mais nitidamente, e há motivos para saudá-las, as sinalizações de alguma correção de rumos.
Viu-se, por exemplo, Dilma Rousseff manifestar com ênfase seu repúdio à cruel condenação da iraniana Sakineh Ashtiani. Em contraste com o presidente Lula, que com característica ligeireza evadiu-se do assunto, Dilma declarou-se "radicalmente contra" a aplicação da pena de morte, por apedrejamento, decidida pelo regime dos aiatolás.
"Mesmo considerando os usos e costumes de outros países", disse a presidente eleita, "continua sendo muito bárbaro". Evidentemente que não se espera, de representantes de qualquer país, iniciativas de intervenção nos assuntos internos de outro. Mas o princípio da não intervenção não impede ninguém de dar às coisas o seu devido nome, e foi isso o que, no seu esforço contínuo de prestar homenagens ao regime de Mahmoud Ahmadinejad, o presidente Lula não teve disposição para fazer.
Vai na direção do atual ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o segundo sinal amarelo em relação aos rumos da política externa no futuro governo.
Constava da agenda do chanceler a sua presença na cúpula do G20, em Seul, da qual Lula e Dilma participaram. Um telefonema do Palácio do Planalto, entretanto, dispensou-o da missão. Alimentam-se assim, com bons fundamentos, as especulações de que não continuará no posto depois da posse de Dilma.
Diga-se, a bem da verdade, que não recai sobre o estilo e as convicções pessoais de Celso Amorim a exclusiva responsabilidade pelas orientações vigentes na política externa brasileira. O governo Lula criou uma espécie de dupla gestão na diplomacia, com a presença, ao lado do ministro das Relações Exteriores, de um assessor especial para assuntos externos, Marco Aurélio Garcia, peça nada decorativa recolhida diretamente do museu doutrinário petista.
Agregou-se a isto a particular vocação para a frase impensada e leviana do próprio presidente da República, que felizmente pesou menos que o prestígio do país e de seu carisma no tratamento que obteve no cenário internacional.
Cortejando autocratas como Ahmadinejad e o venezuelano Hugo Chávez, menos por real interesse pragmático do país do que para satisfazer o público interno de seu partido, a cujas convicções ideológicas outras decisões suas frustraram impunemente, o presidente Lula deu o tom, que Amorim, Garcia e outros assessores secundaram, de uma política externa marcada pelo estrépito. Já é tempo de mudar a partitura, o maestro e seus solistas.

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