sábado, novembro 13, 2010

Trabalho é trabalho

Trabalho é trabalho
Arthur Dapieve – O Globo – Segundo Caderno
Lembranças de Duran Duran e A-Ha nos anos 80
‘Quem se lembra dos anos 80 é porque não estava lá”, diz um ditado mais ou menos popular. Bem, lembro-me de algumas coisas.
Talvez porque de vez em quando eu praticasse a sobriedade. Era preciso trabalhar. Duas das minhas memórias mais insólitas, por sinal, dizem respeito a coletivas de imprensa realizadas no final daquela década. Elas dão uma pálida ideia de como as coisas podiam ser ingenuamente doidas.
Primeiro, foi a entrevista do Duran Duran, uma das atrações do Hollywood Rock de 1988. O grupo de Birmingham, na Inglaterra, era um dos expoentes do que a gente então chamava de “novos românticos”, que se vestiam como dândis, cantavam amores impossíveis e investiam toda a mesada em teclados — daí um rótulo alternativo e mais genérico, “tecnopop”. Naquela primeira visita ao Brasil, o Duran Duran era formado pelo vocalista Simon Le Bon, pelo tecladista Nick Rhodes e pelo baixista John Taylor.
Isso significava que dois membros da formação que os levou a serem chamados por fãs mais exaltados de “Fab Five”, o guitarrista Andy Taylor e o baterista Roger Taylor (nenhum parentesco entre os três Taylor), já haviam pedido as contas. Virar um trio não os tornara menos populares. Ao menos não no Brasil, onde muitas meninas e alguns rapazes gritavam por eles como hoje gritam, sei lá, pelos Jonas Brothers ou pelo Restart. Pelo aspecto da idolatria, o Duran Duran ainda era, sim, o “Fab Three”.
Os membros do grupo estavam hospedados no Copacabana Palace. Em vez de ficarem sentados atrás de uma mesa, respondendo às perguntas com o protocolar ar blasé dos roqueiros, os três ficariam circulando pelo terraço, atendendo aos jornalistas quase caso a caso. A ideia era simpática. Ela não contava, porém, com duas variáveis: a) o plano vazou para os fã-clubes; b) a maioria dos repórteres brasileiros não falava inglês, e olhe que os caras nem ostentavam o pesado sotaque de Birmingham.
Uma galera inteiramente distinta, a do Black Sabbath, também é de lá. Na sua hilariante autobiografia, Ozzy Osbourne conta como era difícil para as pessoas entenderem o primeiro nome da banda, Earth, quando “latido” no sotaque local.) E lá fui eu, pelo antigo “Jornal do Brasil”.
Além das laudas para anotar as declarações de Le Bon, Rhodes e Taylor, levei a pedidos a prima paulista de uma colega de redação.
Pouco mais nova do que eu, a menina era louca pela banda, uma duranie de carteirinha. Eu previa problemas. Quando chegamos, o terraço do Copa já parecia ter se transformado num set de “Os reis do iê-iê-iê”, com os “Fab Three” no papel dos “Fab Four”. As fãs faziam o de sempre: corriam feito baratas tontas, soltavam gritinhos, passavam mal. Felizmente, minha acompanhante portou-se bem. Tanto que fomos tomar uns drinques no Crepúsculo de Cubatão, mais tarde. Ou no ano seguinte, ou anos depois, não me lembro bem. Estamos falando da década de 80, não estamos? A entrevista, em si, não chegou a ser prejudicada pelo formato pouco ortodoxo, apesar de ser chato ficar traduzindo as declarações para os coleguinhas que não tinham frequentado o Curso Oxford. Os caras do Duran Duran foram extremamente gentis e profissionais. Eram ingleses, ora bolas. Dava para notar que Le Bon já estava adentrando a sua fase “Elvis em Las Vegas” meio balofo, mas era um sujeito bonitão, carismático.
Procurei aqui na minha pasta de recortes o resultado impresso daquele final de tarde e não encontrei. Não me lembro das declarações, assim como também não lembro nada do show na Praça da Apoteose, o que apenas comprova que eu estava lá.
A segunda coletiva insólita foi a do trio norueguês A-Ha, realizada no ano seguinte, no Othon Palace. Como “rivais” do Duran Duran, eles tocariam na mesma Praça da Apoteose. A procura foi tamanha que foi necessário adicionar uma segunda noite à excursão. No hotel, embora tivessem mantido a feição tradicional das entrevistas coletivas, com os caras sentados atrás de uma mesa, respondendo às perguntas com o protocolar ar blasé dos roqueiros, o salão havia sido invadido pelas fãs, que se esmeraram em perguntas como: “Morten, você faz canções todas muito lindas. Mas qual é aquela que te toca mais fundo?” Resposta, gélida como um fiorde: “Todas.” Não me lembro disso. É que achei a reportagem na velha pasta de recortes. Encontrei também a crítica que fiz detonando o show.
Não consta do texto, entretanto, que trombei com Renato Russo no meio daquela multidão compacta de fãs. Ele sempre teve uma curiosidade antropológica por boy bands e assemelhadas. Não à toa viria a gravar uma canção dos Menudos. Lembro, ainda, que a equipe que cobriu o espetáculo para o jornal foi junta fumar e beber pra esquecer.
Eram os anos 80, lembra? Aliás, como cada lembrança tem a madeleine que merece, essas aí foram suscitadas pela notícia do relançamento no exterior, em edições superespeciais, duplas, com DVDs e o escambau, de “Notorious” e “Big thing”, os LPs mais recentes do Duran Duran por ocasião daquela vinda de 1988. Parece que o primeiro traz até cenas do show no Rio. Cogitei comprar, para ver se me lembro de alguma coisa, mas permaneço em dúvida.
“Notorious” não é o melhor disco do grupo, e há coisas que é mais prudente deixar para trás, embaladas pela benevolência da memória. Ou da falta dela.
E-mail: dapieve@oglobo.com.br

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