sexta-feira, novembro 12, 2010

Uma fábula de R$ 900 milhões

Uma fábula de R$ 900 milhões
VINICIUS TORRES FREIRE – FOLHA DE SÃO PAULO
Histórias contam como entrava dinheiro fictício no PanAmericano, mas não como saía o dinheiro real
AINDA ESTÁ difícil de entender o que produziu um rombo "da ordem de R$ 900 milhões" no PanAmericano. Informantes do governo dizem que essa conta é mais ou menos final, mas não explicam se já foram descobertas todas as "incoerências contábeis" nem qual a dimensão exata e o "modus operandi" dos malfeitos. Desde o final de outubro examinam outros bancos ativos no mercado de cessão de crédito e até agora não acharam mais nada.
Segundo as vagas informações disponíveis, o problema maior estaria no registro das operações de cessão de carteira de crédito. Mas apenas tal informação é insuficiente para medir o rombo do PanAmericano. Tal registro pode explicar os haveres e os fluxos de recebimentos fictícios do banco, mas não diz por onde vazava o dinheiro. Nos balanços, como no dito da fábula, o que entra por uma porta sai pela outra.
"Cessão de carteira de crédito" significa que o banco vendia os empréstimos que havia feito. Quando um banco empresta dinheiro, na verdade está comprando uma série de pagamentos futuros. O valor da "compra" é o do empréstimo concedido; a "mercadoria" comprada são as "prestações" do empréstimo, que o banco vai receber com juros. Ou seja, o banco compra o direito a um fluxo de pagamentos. Por motivos vários, o banco pode vender esse direito a outra instituição financeira ou a um fundo de investimentos. Faz tal coisa a fim de, por exemplo, abrir espaço no seu balanço para conceder novos empréstimos.
De qualquer modo, vendendo créditos o banco antecipa parte da receita daquele fluxo de pagamentos, fluxo que passa a pingar na conta de outro banco. O banco originador, o que concede o empréstimo e o revende, grosso modo "cobra as prestações" do empréstimo e as repassa ao banco "comprador" do crédito.
Como muitos outros bancos menores, o PanAmericano vende grupos de empréstimos (carteiras de créditos) a bancos maiores. Foram notados vários problemas no registro dessas operações. O PanAmericano: 1) Teria vendido cem empréstimos, mas registrado a venda de apenas 80, digamos; 2) Não teria registrado que vendeu tais créditos. O PanAmericano repassava o dinheiro das "prestações" aos bancos compradores, mas constava em seus registros que continuava a recebê-las; 3) Teria vendido o crédito mais de uma vez, a bancos diferentes; 4) Teria vendido créditos que já haviam sido liquidados pelos tomadores.
Haveria casos ainda mais enrolados. Mas os exemplos bastam para ilustrar que o banco dizia dispor de haveres e fluxos de pagamentos fictícios ao mesmo tempo em que tinha despesas reais com os bancos para os quais vendeu os créditos. O esquema poderia ser mantido por um certo tempo -o dinheiro que entrava tapava os rombos imediatos.
Essa operação de inflar os ganhos apenas faz sentido se servir para lustrar resultados, tapar vazamentos ou desvios em outros negócios. Por exemplo, para inflar lucros e/ou a distribuição de lucros inexistentes; para tapar buracos e esconder grossas inadimplências. Esses motivos são apenas especulação. Mas é difícil crer que erros formais resultem num buraco de R$ 900 milhões.
O governo diz que se trata de um "caso isolado". Tomara. O temor é o de haver uma onda de inadimplência escondida por operações fajutas de cessão de crédito.

vinit@uol.com.br

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