sexta-feira, novembro 05, 2010

A volta dos anos rebeldes?

A volta dos anos rebeldes?
Monica B. De Bolle - O Estado de S. Paulo - 05/11/2010
Baixo crescimento. Tolerância inflacionária. Desalinhamentos cambiais. Dívidas astronômicas e déficits elevados. Esse é o mundo que Dilma Rousseff enfrentará quando assumir a Presidência da República em janeiro de 2011. É um mundo bem diferente do encontrado por Lula em 2003 e, curiosamente, muito parecido com o dos anos 70, década que tanto inspira alguns dos interlocutores mais próximos de Dilma.
Para tratar os problemas de excesso de endividamento, a economia global caminha para uma "solução" estagflacionária, isto é, uma combinação nefasta de estagnação com inflação alta. A maior economia do mundo e o emissor da moeda internacional, os EUA, não estão dispostos a correr o risco de uma deflação japonesa, ainda que essa seja uma possibilidade remota. O trauma da Grande Depressão e uma sociedade avessa aos sacrifícios - em contraste com os europeus, marcados pelas cicatrizes de duas guerras mundiais - impedem que a saída da crise americana envolva a redução de gastos e o aumento da poupança necessários para diminuir os passivos. Não se contemplam, portanto, planos de austeridade fiscal, como os que estão sendo implementados do outro lado do oceano. A receita americana é sustentar a insípida recuperação até que ela ganhe fôlego para se autoalimentar. Contudo, a fragilidade política da administração de Obama e a perspectiva de que o presidente americano fique paralisado por um Congresso hostil, a dois anos de terminar o mandato, significam que a única arma remanescente é a monetária.
Mas a frouxidão monetária não é a "bala de prata" que restaurará o ímpeto da atividade e eliminará os estoques de dívida. Sair da crise sem uma recessão temporária provocada pela elevação da poupança significa tentar orquestrar alguma antecipação do consumo, além de corroer os passivos das famílias. Só existe um mecanismo capaz de fazer isso: uma inflação mais elevada por um período prolongado. Não é à toa que o Fed está tentando manejar as expectativas com declarações cada vez mais explícitas sobre os rumos da inflação futura. E, enquanto a dívida não for suficientemente reduzida, o crescimento americano continuará anêmico, configurando o referido cenário estagflacionário. Uma estagflação no emissor da moeda internacional implica, necessariamente, a continuação dos desalinhamentos cambiais, principal fonte das tensões internacionais.
Como isso se poderá refletir no Brasil? De um lado, o real pressionado continuará propelindo os clamores de "desindustrialização", favorecendo os argumentos dos simpatizantes do câmbio controlado. De outro, com o reduzido impulso externo, ganham terreno os que defendem a solidificação do "novo modelo de desenvolvimento" baseado tanto na política de campeões nacionais favorecidos pelo crédito público quanto no aumento do intervencionismo estatal. Num mundo mais tolerante com a inflação, só os ortodoxos de carteirinha, os "chatos de sempre", se preocuparão com os reflexos do "novo modelo" sobre a trajetória dos preços.
No mundo de Dilma, ao contrário do mundo de Lula do primeiro mandato, há espaço para a substituição do tripé. De metas de inflação, câmbio flexível e controle fiscal para uma inflação "flexível", "metas" para o câmbio e políticas públicas mais "generosas" de crédito e de gastos - com investimento, é claro. Como disse o prof. Dionísio Dias Carneiro, em 1976, sobre a "ideologia do crescimento rápido": "Sendo viável o crescimento acelerado, ganham viabilidade os pleitos redistributivos e podem amenizar-se os conflitos sociais latentes, pois há espaço, por assim dizer, para todos ganharem algo."
A grande diferença entre o momento atual e os anos após o choque do petróleo da década de 70 é que há espaço, no Brasil, para viabilizar a ideologia do crescimento rápido sem pagar, imediatamente, o preço do descontrole inflacionário e da elevação da dívida externa, hoje inexistente. A conta da degradação macroeconômica só virá depois, quem sabe, em 2014, para o próximo(a) presidente.

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