segunda-feira, julho 05, 2010

Alistamento abre portas para imigrantes

Alistamento abre portas para imigrantes
Servir às Forças Armadas americanas é caminho cada vez mais comum entre estrangeiros para obter cidadania
Em política iniciada na era Bush, boa parte dos alistados é rapidamente enviada ao combate no Afeganistão ou Iraque
ANDREA MURTA - DE WASHINGTON – Folha de São Paulo

Ao retomar na última semana a defesa da reforma migratória, o presidente dos EUA, Barack Obama, jogou luz em um caminho que cada vez mais estrangeiros -inclusive brasileiros- usam para se tornar cidadãos americanos: o serviço militar.
Desde o final de 2001, foram naturalizados 53.497 estrangeiros nas Forças Armadas americanas. O ano passado foi recorde no período, com 10.505 militares recebendo a cidadania - um salto de 33% em relação a 2008 e quase o dobro da média anual dos últimos nove anos.
É um meio radical, pois boa parte dos alistados é rapidamente enviada para o Iraque ou o Afeganistão.
"[Essas pessoas] se alistaram antes mesmo de serem cidadãos", disse Obama em discurso na última quinta. "Eles nos lembram que imigrantes sempre ajudaram a defender esse país e que ser americano não é questão de nascimento, mas de fé."
O presidente aludia também a uma cerimônia que realizou na Casa Branca em abril, na qual mais de 20 militares estrangeiros, dos quais três brasileiros, se tornaram americanos.
Um deles foi Charlyston Schultz, que tinha só 12 anos quando deixou Uberlândia (MG) com dois irmãos para viver com a mãe nos EUA. Hoje, é fuzileiro naval.
"A cerimônia foi fantástica", disse em entrevista à Folha, por telefone, de sua base em Campo Lejeune (Carolina do Norte). "Nunca pensei que receberia a cidadania direto do presidente."

NECESSIDADE
Apesar de não ser inédita, a naturalização de soldados se tornou bem mais fácil no governo do ex-presidente George Bush (2001-2009), especialmente após o 11 de Setembro e a invasão do Afeganistão, ambos em 2001.
Com maiores necessidades de recrutamento, Bush editou uma medida provisória acelerando o processo.
Sob Obama, em 2009, até mesmo estrangeiros sem "green card" (permissão de residência) que servem nas Forças Armadas passaram a ser elegíveis para naturalização, bastando ter visto temporário e haver "interesse nacional" -o que se aplica a setores como a área médica e tradutores de línguas como pashtu e farsi.
O serviço de imigração e cidadania diz que o objetivo não é criar um atrativo a mais para o recrutamento, e sim retribuir o sacrifício dos imigrantes, sujeitos a ir para a guerra pelos EUA.
Mas militares e especialistas não descartam que a estratégia acaba atraindo quem só pensa na cidadania.
"Os EUA querem genuinamente fazer algo pelos imigrantes que servem no Exército. Mas, para os imigrantes, a cidadania é um objetivo importante", afirmou à Folha Jeanne Batalova, do Instituto de Políticas Migratórias, em Washington.

Brasileiros dizem que naturalização pesa na decisão
GABRIELA MANZINI - DE SÃO PAULO

Brasileiros naturalizados americanos que servem nas Forças Armadas relataram à Folha a influência que a rapidez na naturalização costuma ter na hora de decidir pelo alistamento.
"O que pesou mais na minha decisão foi a promessa de naturalização. Outros benefícios considerados foram o plano de saúde familiar e poder terminar a faculdade aqui com tudo pago", conta o sargento Marcos Vinicius Costa, que está no Iraque.
Ele diz que, apesar da "dor da distância", se realizou na profissão. "Quando assinei o contrato, era por três anos, apenas. Quando estava acabando, renovei por mais dois e meio. Se fosse só pela cidadania, teria feito o mínimo."
O sargento Luciano Rebouças, que nasceu na Bahia e hoje está numa base no Estado da Geórgia (EUA), já era naturalizado quando decidiu se alistar, mas confirma que, para muitos, o serviço militar é como um atalho seguro.
"Muitos que conheço entraram por isso. Pensaram:
"Por que esperar e ainda correr risco de ter o pedido negado? Assim é mais rápido"." Charlyston Schultz, naturalizado no evento com Obama, nunca foi para um campo de batalha, mas diz que "está pronto para servir".
Já Rebouças, que já foi ao Iraque três vezes - mais de mil dias, ao todo-, alerta:
"Você tem que saber no que está se metendo". "Conheço um cara que entrou na Marinha e a primeira coisa que fizeram foi mandá-lo ao Afeganistão. Aí ele não aguentou. Nem conseguiu [cidadania]."
O sargento, pai de um menino de 4 anos e uma menina de 2, conta como o alistamento afetou sua família. "Minha mãe ficou bem preocupada."
"No começo, você sempre pensa no risco. Mas uma hora pensa: "Vou ficar com medo todo dia?". Querendo ou não, vai haver perigo. Daí você coloca na mão de Deus."
Com ANDREA MURTA, de Washington

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