domingo, agosto 29, 2010
É só abrir a porta
É só abrir a porta
Luiz Inácio Lula da Silva reclama dia sim outro também dos jornais e dos jornalistas. E deixa florescer vetores obscurantistas. Mas o STF “de Lula” marca sua passagem como uma trincheira da liberdade
Por Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
A decisão do ministro Ayres Britto de suspender a norma legal que proibia o humor televisivo e radiofônico no período eleitoral é mais um episódio bacana da trajetória recente do Supremo Tribunal Federal. Para sorte do Brasil, parece ter se formado ali uma ampla maioria comprometida com a defesa da liberdade de expressão.
Nos julgamentos recentes o tribunal tem reafirmado esse princípio. Ainda que no litígio entre o jornal O Estado de S.Paulo e Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, a maioria dos ministros tenha decidido não revogar a sentença de primeira instância que protegeu o segredo de justiça em detrimento do direito de o jornal publicar material relativo ao processo. É um debate jurídico complexo.
Mas foi uma exceção. O episódio não deve ser lido como regra. Seria injusto. Este STF já passou à História do Brasil como uma fortaleza em defesa das liberdades de expressão e de imprensa. E o fato ganha importância quando se insinuam vetores contrários a esses direitos fundamentais previstos na Constituição.
O poder não gosta que o critiquem. É um princípio geral. Um segundo princípio é que o poder deve sempre ser criticado, questionado. Ridicularizado quando possível. Ninguém deve temer ser injusto com o poder. Mais ainda num país como o Brasil, em que a sociedade se organizou a partir do Estado e o enxerga como a solução para todos os problemas. Bater nos governos, especialmente quando estão fortes, é vital para a democracia.
Governos gostam de se dizer favoráveis à liberdade de expressão e de imprensa. É chique e protocolar. Enquanto isso, gostam de buscar medidas práticas para limitá-las. É da sua natureza. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento. Assim é o jogo. Imprescindível é haver uma instância suprema comprometida com a garantia dos direitos dos cidadãos.
O Supremo tem sido essa instância. E registre-se que o tribunal de agora foi majoritariamente nomeado pelo atual presidente da República. Pode-se gostar ou não de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou do que ele diz dia sim outro também sobre os jornais e os jornalistas. Ou de como deixa florescer vetores obscurantistas. Mas o STF “de Lula” marca sua passagem como uma trincheira da liberdade.
Se o presidente arrependeu-se de ter nomeado um STF tão doutrinariamente aferrado à livre circulação de idéias, enquanto dentro do governo germinam as plantas carnívoras do “controle social”, só ele poderá dizer. Mas isso é irrelevante na prática.
Lula não será julgado pela História por seus discursos, mas pelos atos. Inclusive pelos que não teve força para executar. Até para sorte dele. Eis um aspecto a que os governantes raramente dão valor: a crítica é útil também, talvez principalmente, para impedir que reúnam força suficiente e cometam as bobagens aconselhadas pela onipotência e pelos áulicos. Pode doer na hora, mas acaba se revelando terapêutica.
O ministro Ayres Britto prestou um serviço ao país, e seria bom que os colegas seguissem sua posição.
E o curioso é que o fez de um modo simples. Tomou a decisão e ponto final. Como Michel Temer, quando deu um jeito para que as medidas provisórias não mais trancassem a pauta da Câmara dos deputados e do Senado.
Um dos grandes filmes do cineasta hispano-mexicano Luis Buñuel é O anjo exterminador. Nele, um grupo de pessoas está preso numa casa sem que se saiba exatamente por quê, até descobrirem que podem sair se assim desejarem.
A sociedade brasileira pode devencilhar-se da teia de leis, normas, decretos e projetos que tolhem ou pretendem tolher a liberdade de pensar, de falar e de escrever. É fácil. É só querer, como demonstrou o ministro Ayres Britto.
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