segunda-feira, novembro 15, 2010

''Espero que Dilma não se cubra com o véu quando visitar o Irã''

''Espero que Dilma não se cubra com o véu quando visitar o Irã''
Gustavo Chacra / Correspondente / Nova York - O ESTADO DE S. PAULO
Ativista diz lamentar que Lula não visitou sindicalistas presos quando foi a Teerã e pede a presidente eleita que ajude na luta das mulheres iranianas por liberdade
Demonstrando insatisfação com a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a iraniana e Nobel da Paz de 2003, Shirin Ebadi, recebeu o Estado em um hotel de Nova York para enviar uma mensagem para Dilma Rousseff. Na avaliação dela, "Lula visitou Teerã, abraçou (o presidente, Mahmoud) Ahmadinejad, deu-lhe um beijo no rosto e partiu. Mas parece ter se esquecido que pessoas são mortas e postas na prisão no Irã."
Qual a sua opinião sobre a iniciativa do Brasil de negociar a questão nuclear com o Irã?
Em geral, prefiro negociações para resolver os problemas. Mas o Brasil não foi capaz de resolver nada. A forma de agir do governo brasileiro não foi positiva. Na verdade, Lula visitou Teerã, abraçou Ahmadinejad, deu-lhe um beijo no rosto e partiu. Parece ter-se esquecido que pessoas são mortas e colocadas na prisão no Irã. Enviei mensagens a Lula, que foi um sindicalista, dizendo a ele que se encontrasse com as famílias de trabalhadores iranianos que estão na prisão por suas ligações com os sindicatos. Quando Lula esteve no Irã, (Mansour) Osanlou, um líder sindical como ele, já cumpria pena de cinco anos. A Organização Mundial do Trabalho pediu a sua libertação, mas Lula o ignorou. Osanlou tem diabete, problema de visão e está com paralisia. Embora o médico tenha dado certificado para ele deixar a prisão para se tratar, o governo não autorizou.
Há também dezenas de mulheres presas atualmente no Irã. A sra. espera que Dilma Rousseff faça algo para ajudá-las?
Depois de 1979, uma série de leis discriminatórias contra as mulheres foram aprovadas no Irã. A vida de uma mulher equivale à metade da de um homem. Por exemplo, se um homem e uma mulher saem para a rua e são atacados, a indenização que a mulher receberá será o equivalente à metade da do homem. Na Justiça, o testemunho de duas mulheres equivalem ao de um homem. Um homem pode casar com quatro mulheres. E existem várias outras leis discriminatórias. A presidente eleita, como mulher, certamente não concorda com essas leis. E as mulheres iranianas tampouco as aceitam. Mas, quando elas protestam contra a legislação, são detidas por ter agido contra a segurança nacional, segundo o governo. As advogadas que as defendem também acabam nas prisões. Uma destas advogadas é minha colega Nasrin Soutodeh. Ela foi presa há dois meses. Desde o domingo, está em greve de fome. Estamos preocupados com a vida dela. Gostaria que a nova presidente do Brasil a ajudasse. Todas as mulheres, muçulmanas ou não, que cheguem ao Irã, têm de cobrir a cabeça. É uma lei estranha, pois quem não é muçulmana não precisa usar o véu. Por favor, diga à sua presidente, em meu nome, para ela não se cobrir com o véu se for ao Irã. Não precisa ter medo da lei no Irã. Por ser presidente, possui imunidade diplomática. Alguém precisa mostrar ao governo do Irã que esta lei não é correta.
Então sua mensagem para Dilma é para ela não se cobrir quando for ao Irã?
Sim, e também conversar com movimentos independentes de mulheres, não apenas as que estão no Parlamento.
Fala-se muito sobre a situação de Sakineh Ashtiani no Brasil. E as informações são muitas vezes diferentes. Um dia dizem que ela será morta, no outro não. Às vezes dizem que será por apedrejamento, outras vezes não. Uns dizem que seria porque ela traiu o marido. Mas outros afirmam que ela é acusada de assassinato. Qual é a verdade?
Sakineh foi sentenciada ao apedrejamento. Há inúmeras campanhas internacionais para defendê-la. Mas ela não é a única sentenciada. Há várias outras com a mesma sentença no corredor da morte. Em vez de apenas fazer campanha por Sakineh, deveríamos lutar pelo fim deste tipo de sentença, ajudando a todas. Queria adicionar que as punições corporais foram aplicadas depois da revolução (de 1979). Não só o apedrejamento, mas também a crucificação e o corte das mãos. No mês passado, três ladrões tiveram as suas mãos cortadas. Um deles havia roubado uns chocolates e US$ 1.000. Isso é tão grave quanto apedrejamento. O que todos os defensores de direitos humanos deveriam fazer é repudiar todas essas leis. Sempre que nos opomos a essas leis, o governo diz que elas são religiosas. Mas isso não é correto. Clérigos respeitáveis no Irã disseram que essas leis poderiam ser revertidas. Eles (o governo) querem administrar o país como há 1.400 anos.
Se o regime de Teerã abdicasse de seu programa nuclear, sua situação se normalizaria, ficando como a Arábia Saudita, que também desrespeita direitos humanos, mas não sofre punições. A sra. acha que o foco das sanções deveria mudar?
Nos últimos anos, sempre que falam do Irã, pensam só na questão nuclear - se esquecem de pessoas sendo mortas e presas. Costumo dizer aos países ocidentais e também ao Brasil que tudo bem falar da questão nuclear. Mas também abordem a falta de democracia e os direitos humanos. Fiquei surpresa que um homem respeitável como o Lula tenha ido ao Irã, falado da questão nuclear, e partido.
O Irã, que enfrenta uma crise econômica, gasta centenas de milhões com grupos estrangeiros como o Hamas (palestino) e o Hezbollah (libanês). No mês passado, Ahmadinejad foi recebido como herói no sul do Líbano por ter ajudado na reconstrução de vilas destruídas na guerra contra Israel (2006). A população iraniana não reclama desses gastos no exterior enquanto enfrentam dificuldades no próprio país?
Ahmadinejad foi ao Líbano a convite do Hezbollah. E o xeque Hassan Nasrallah disse que o Irã ajudou os libaneses com US$ 450 milhões e agradeceu ao líder iraniano por contribuir com a reconstrução. A população iraniana considera os libaneses amigos e está feliz em ajudar. Mas se pergunta sobre qual é a diferença entre nós e o Hezbollah. Seis anos atrás, a cidade de Ban, no Irã, foi abalada por um terremoto e totalmente destruída. Mas o governo iraniano não a reconstruiu. Preferiu reerguer as casas no sul do Líbano. Ban permanece em ruínas.
O Irã também deu dinheiro para o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai. O governo iraniano negou a ajuda inicialmente, mas acabou desmentido. O próprio líder afegão confirmou e agradeceu Teerã. Esta ajuda financeira ocorre depois de o Irã registrar o pior crescimento econômico de todo o Oriente Médio. O crescimento foi de 1,6% no ano passado. Pior até mesmo do que o Iraque e o Afeganistão.
Com Mir Hussein Mousavi ou Mehdi Karroubi (candidatos opositores nas eleições presidenciais) as coisas seriam melhores realmente? Eles não faziam parte do regime?
O movimento democrático não tem como base a ideologia. É apenas democrático. Mousavi e Karroubi não são os líderes, mas integram o movimento. E as decisões são tomadas em grupo. Todos, em comum, opõem-se ao governo e defendem a democracia.
O que ocorreria se Israel ou os EUA bombardeasse o Irã?
 Nem Israel bombardeará o Irã, nem o Irã bombardeará Israel. Os israelenses não têm o poder de atacar o Irã e o governo iraniano sabe disso. E o Irã sabe que, se atacar Israel, as consequências seriam muito grave. Os Estados Unidos tampouco atacarão o Irã. Eles já têm muitos problemas no Iraque e no Afeganistão. Mas quero deixar claro que sou contra um ataque ao Irã porque deterioraria ainda mais a luta pela democracia e os direitos humanos. O governo iraniano sempre usa estas ameaças de ataque para despertar sentimentos patrióticos, desviando a atenção das pessoas para questões nacionalistas.
(Publicado em 14/11/2010)

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