domingo, novembro 14, 2010
O grande Ratinho
O grande Ratinho
ALDIR BLANC – O Globo
As palavras da hora são inserção social. Vamos fazer uma aqui — infelizmente, póstuma.
Morreu Alcino Correa, o Ratinho, um dos maiores compositores do Brasil. Urge colocá-lo no lugar que merece. Português de nascimento, Ratinho era o mais carioca de nossos compositores. Esse homem de vontade férrea, revoltado com a situação caótica do direito autoral, preconizada pelos profetas (em causa própria) das “janelas para o futuro”, transformou sua casa na “Toca do Rato”, onde fazia shows, sempre privilegiando os amigos. Na reta final da vida, voltou a estudar para formar-se em Direito e “poder contribuir”. Ouvi estas palavras na minha casa quando gravava um depoimento sobre ele para um canal de TV da Terrinha. Também vi quando ele interrompia os papos comigo, tirava um pequeno gravador da bolsa, e cantarolava. Não tocava instrumento algum. Inspiradíssimo, vivia compondo na condução, na rua, nos momentos mais inesperados, melodias, letras, ideias para o futuro.
Deixa dezenas de sucessos entre centenas de composições, divididas com parceiros do calibre de Monarco, Zeca Pagodinho, Wilson Moreira, Guilherme de Brito, Noca da Portela, Arlindo Cruz e tantos outros que não caberiam no artigo. Venceu sete vezes o concurso para samba-enredo da Caprichosos, todos antológicos.
Artista de fina inteligência, interpretava, com seu jeito modesto, o cenário da música popular de forma lúcida e original, com a percepção aguda de um Nei Lopes ou de um Caetano Veloso. É preciso lembrar que samba faz parte da música brasileira e que não vive, como querem alguns, num gueto metidinho na hora da premiação fajuta. Havia um toque de ferocidade na modéstia de Ratinho. Ela agredia a pompa dos pretensiosos feito bofetada de mão aberta em cara de vagabundo. Eu tinha verdadeira adoração por essa mistura de simplicidade aparente e criatividade imbatível.
Fico pensando se Ratinho não era um de nossos raros artistas dotados da tal “força estranha”.
Eu gostaria de por um segundo acreditar que Ratinho encontrou as portas do céu abertas, cheirinho de rabada com agrião vindo lá de dentro, e ouviu de um São Pedro já meio triscado pelas caipirinhas: — Luiz Carlos da Vila, Anescarzinho do Salgueiro, Guilherme de Brito, Candeia, a turma toda tá esperando na segunda nuvem à esquerda. Você deu um duro danado na vida, meu filho. Agora, entra e vai vadiar! DOENÇA O apoiador Felipe, do Vasco (também chamado de PF: Playground do Flamengo), declarou, em recente entrevista, que “ninguém respeita o Vasco”. É verdade, Felipe. A começar por alguns atletas, membros da diretoria, da Comissão Técnica de Futebol (???) e do Conselho Esclerobenemérito.
O que estamos vendo em campo é um tremendo vexame, que não pode mais ser atribuído a Eurico, o Miranda, e suas sandices. Dezenas de empates — no começo, chamados de “invencibilidade” —, pênaltis estúpidos, desorganização generalizada.
O goleiro Fernando Praz na Terra aos Goleadores de Boa-Vontade, nos primeiros e nos últimos dez minutos de cada tempo, lembra o ator Ralph Fiennes, depois das queimaduras, no filme “O paciente inglês”, baseado no romance homônimo de Michael Ondaatje.
Ele sabe que vão fazer besteira na certa, na batatulina! Bom, sempre tive pressão arterial 12 x 8. No meio do Campeonato Brasileiro de 2008, ela começou a subir para preocupantes 17 x 10. Passou assim todo o ano maldito de 2009, só voltando ao normal quando o Vasco, chamado de “Gigante da Colina” pelos locutores, retornou à Primeira Divisão.
Agora, constato com certo nervosismo que a danada da pressão está em 18 x 10. Não sou vingativo, mas, em represália a esse atentado físico, estou pensando em entrar com um processo contra o Clube de Regatas Vasco da Gama por tentativa de homicídio (des)qualificado, com o agravante de práticas contumazes sadomasoquistas, e atentado violento ao pudor (não pode haver maior sem-vergonhice do que as não atuações nos jogos contra o Atlético Goianiense e o Vitória). Meu médico geriatra, o dr. Tarso Mosci, e o obituarista do GLOBO não devem se enganar com as causas aparentes de minha extinção. Nada de hiperglicemia, colesterol mau, hepatograma avariado por Jack Daniel’s, rins pedindo penico, tudo errado. O verdadeiro diagnóstico será: “Aldir Blanc, letrista de música popular, morreu em casa de vasquite aguda e galopante.
Semínima com staccato: “Num país onde ploriferam clones de subcapitus carnavalescas, trair perdeu o restinho da transcendência. Tornou-se só depravada sujeirinha de uma banalidade apodrecida pela repetição” (Sigmund Vê-Se-Não-Froide, em “Agora é cinza no balde da civilização”).
ALDIR BLANC é compositor.
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