domingo, novembro 14, 2010
Papa pum pum
Papa pum pum
LUÍS FERNANDO VERISSIMO – O Globo
Ficou famosa a história do correspondente em Roma que, querendo tirar uma folga, adiantou a matéria que fazia todas as semanas sobre o tradicional giro do papa em meio à multidão na frente do Vaticano nas quartas-feiras, e viajou na terça. A matéria dizia que o passeio do papa transcorrera normalmente, como em todas as quartas-feiras. No lugar que escolheu para descansar por uns dias, longe de Roma, o correspondente ouviu um rebuliço, perguntou a um nativo o que tinha acontecido e ouviu que alguém tinha atirado no papa em plena Piazza San Pedro. Ou, na versão resumida do nativo:
– Papa pum pum.
O correspondente sentiu aquela sensação de perda deemprego na barriga.
Eu também tive minha experiência papa pum pum. Fui passar uns dias em Nova York e deixei uma semana de colunas prontas, todas tratando de quimeras e generalidades, para cobrir minha ausência. Foi a semana do onze de setembro de 2001. Comecei a mandar matérias de Nova York sobre as torres esfareladas que foram publicadas no Globo e no Zero Hora de Porto Alegre, mas outros jornais que reproduziam a coluna continuaram publicando as que eu tinha deixado. O que quer dizer que durante uma semana passei pela pessoa mais alienada, ou distraída, do planeta.
Há dias comentei aqui a diferença entre a reação na França e na Inglaterra a medidas de austeridade dos seus governos. Os franceses se manifestando ruidosamente contra a pretensão do Sarkozy de mexer em suas aposentadorias, os ingleses se comportando diante dos drásticos cortes em programas sociais anunciados pelo novo governo conservador como tinham se comportado sob os bombardeios alemães na
Segunda Guerra Mundial, com estoicismo e resignação.
A coluna já estava escrita quando explodiram manifestações contra o governo nas ruas da Inglaterra de dar inveja aos franceses. Isto é: deu papa pum pum de novo. Aparentemente, o primeiro-ministro Cameron não vai poder contar com compreensão ou fatalismo inglês para impor seu neo-thatcherismo. Como em outro países da Europa, a reação violenta à austeridade até na Inglaterra vem do fato de que, como nunca aconteceu antes, o povo está sendo obrigado a pagar por uma crise com origem conhecida e vilões indiscutíveis, o capital financeiro desregulado.
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