domingo, dezembro 26, 2010
Errática
Errática
CAETANO VELOSO - O GLOBO - 26/12/10
O melhor artigo publicado por um colunista de jornal em 2010 no Brasil foi o de Drauzio Varella sobre violência contra homossexuais. Quem não leu procure na internet. É fácil de achar (LEIA ABAIXO). E de entender. O de Demétrio Magnoli (LEIA AQUI) que li esta semana no GLOBO não fica muito atrás, seja pela clareza de enunciação, seja pelo comprometimento exigente com a ideia de sociedade livre. Magnoli será naturalmente apontado pelos esquerdinhas afoitos como um argumentador da direita. Ou por meus outros amigos, apaixonados pelas consequências do surgimento da internet, de retrógrado.
Mas sua análise da declaração de Lula sobre Julian Assange e o WikiLeaks é luminosa — e o levou ao cerne da questão da liberdade de imprensa. Lula diz que liberdade de expressão tem de ser total e apresenta sua solidariedade a Assange como exemplo do reconhecimento dessa verdade. É claro que Magnoli nos relembra que Lula nunca chiou contra a censura à imprensa em Cuba, na China ou no Irã. Mas isso é só a parte superficial de seu texto.
A análise do fenômeno WikiLeaks e a inaceitação prévia de qualquer ato ilegal dos Estados Unidos em relação a Assange vai fundo nas responsabilidades que as sociedades abertas têm de carregar.
Quem não leu (e já jogou o jornal de anteontem fora) deve também procurá-lo na internet.
Quando comentei aqui, en passant, que meu camarada John Perry Barlow, num primeiro momento, oscilou entre apoiar Assange e resguardar-se contra os ataques dos hackers ativistas (hacktivists), as chamadas DDOS (a sigla em inglês para “distribuição de negação de serviço”), houve quem reagisse como se eu fosse um inimigo da vida on-line — e quem, ao contrário, pensasse que me alegro com o aparente antiamericanismo de Assange.
Não. Como a “The Economist” (há quanto tempo não se fala nela aqui: eu não poderia deixar o ano acabar sem voltar a escrever seu nome), acho que, claro, as pessoas têm todo o direito de boicotar Amazon ou MasterCard por estes terem parado de abrigar WikiLeaks. Mas, primeiro: não gosto de protestos anônimos; e, segundo: não me animo muito facilmente com ataques coletivos cheios de destrutividade. WikiLeaks é a notícia mais promissora de desdobramentos imprevisíveis que apareceu em 2010.
Ele próprio notícia maior do que os vasamentos que apresenta. Óbvio que os esquerdinhas acham que os liberais só reclamam do desrespeito aos direitos humanos em países comunistas (ou simplesmente inimigos dos EUA) — e os liberais esquecem o apoio dado pelos EUA a tiranias camaradas (do Chile de Pinochet à
Arábia Saudita). Mas o argumento de Magnoli (que volto a sugerir que se leia direto na fonte: eu não seria capaz de, de memória, tentar reproduzilo aqui) está acima dessas distorções.
• O Tono é uma banda interessantíssima.
Vi alguns shows seus e ouvi seus discos. Rafael cantando e tocando bateria é música em estado elevado. Ana Cláudia é especialmente adorável por ser a única cantora realmente cool (nos dois ou três sentidos) da geração. Há brilho de variada gama por todos os lados, mas o canto liso e econômico de Ana Cláudia está sozinho. E é muito bonito que ela não seja a frontwoman da banda. Sem ser a “cantora” que puxa a turma, mas sem tampouco ser uma backing vocal, ela é parte da instrumentação (e do espírito) desse grupo talentoso e delicado.
• Wagner Moura e o Capitão Nascimento, na arrasadora volta de “Tropa de elite” às telas, são um marco em nossa História. Para sempre.
• A votação que Marina Silva obteve na eleição presidencial é glória do ano de 2010 e continuará repercutindo na política brasileira. Dilma ter ido ao segundo turno mudou
o ânimo dos lulistas para melhor — e nos deu a experiência de sentir duas mulheres representando as forças que afinal se insinuam em nossa História. Dilma pode ser um feito de Lula (Marina fez-se sozinha), mas será presidente daqui a poucos dias — e seu estilo de gerir vai ser conhecido por todos nós.
• “Os famosos e os duendes da morte”, filme e livro, não são coisa para ser esquecida. O filme é que nos leva ao livro, com a força de suas imagens sutis, de sua música original, de seus novos atores espontâneos. Livro e filme se complementam, fazem um todo sugestivo, não se pode desligar um do outro.
• Adoro que Baía (Ana de Hollanda) seja ministra.
• O livro em que se inspira “Tropa de elite 2” chama-se “Elite da tropa 2”. O primeiro filme baseava-se (livremente) no primeiro livro (“Elite da tropa”). O segundo tem uma relação ainda mais livre com o livro em que se apoia. O êxito do primeiro filme aparece no segundo livro com uma graça digna de Cervantes citando
a primeira parte do Quixote na segunda — e com uma visão tocante sobre o personagem que se tornou o Capitão Nascimento nas telas.
É um livro que ninguém que se interesse pela questão da segurança pública no Rio pode deixar de ler.
• Não gosto de árvore de Natal nem de Papai Noel. Gostava dos presépios de Santo Amaro, da areia da praia no chão das casas e da marchinha de Assis Valente. João Gilberto cantando “Boas festas” é a coisa mais bonita deste mundo. Amo essa música desde a infância. João deu uma entrevista a Sílvio Lamenha em que louvava a musicalidade extraordinária de Assis nessa composição. É maravilhoso ouvi-lo demonstrar o que estava dizendo.
• Isto não é uma lista de melhores do ano. Prometo reler toda a errática fieira de artigos que publiquei aqui até agora e fazer uma crítica da coluna para fechar 2010.
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