terça-feira, maio 11, 2010

Consultório doente-mental

Consultório doente-mental
Ivan Lessa - Colunista da BBC Brasil
Fim dos anos 50, início dos anos 60. Tinha jornal pra burro no Rio. Burro no sentido de muito, de à beça. Embora boa parte, cá entre nós, sem falsos saudosismos, era pra burro mesmo. Só e apenas. De estalo, lembro-me que, diante de uma banca de jornais, o cidadão poderia optar pelos seguintes – e vou tentar me lembrar sem googlar – Correio da ManhãDiário de NotíciasDiário CariocaO Jornal,Diário da NoiteÚltima HoraO DiaA Notícia e, na certa, outros menos concorridos.
Tentando ser franco, os matizes políticos não eram lá tão diferentes assim, com algumas exceções. Os dois últimos, passaram para a história do samba e ditos populares: jornais que se espremendo sai sangue. Os outros… Ora, os outros eram os outros. Lia-se por isso ou por aquilo outro, sem se dar conta, na maior parte das vezes, que nem “isso” nem “outro” divergiam tanto assim. Havia muitos colunistas, alguns excepcionais. Esses vendiam jornais. Aí dá para falar em época de ouro de nosso jornalismo.
Fato é que foi nessa época que dei meus primeiros passos no hoje chamado jornalismo gutenberguiano. Não dou o nome do jornal, que já tinha passado por seu momento de glória e, quando de minha “contratação” (o editor geral era meu amigão), começava a, não há outra palavra, estertorar.
Dizem os velhos jornalistas, que ainda os há, que duas são as grandes tristezas desse mundo: ver jornal e bar fechar. Para mim, com parco salário e tudo, eu achei bacanérrimo ter coluna assinada. De mim pediam que fizesse a crítica de televisão que, como hoje, ainda engatinhava no Brasil. Tamanho foi meu sucesso entre quatro colegas de redação que, em menos de um mês, foi promovido a “crítico” (as aspas vinham com o cargo) de teatro, que sempre menosprezei.
Enganei durante algumas semanas. Teorizei, contei casos, falei de montagens estrangeiras até o dia em que o editor me chamou no particular e explicou que agora não dava mais: eu teria que ir ver uma peça e, depois, num número “x” de palavras, escrever o que eu achara. Bem, ao menos a entrada era grátis. Fui, vi, tentei fazer graça. Criei inimigos no meio teatral para o resto da vida.
Mais umas semanas e meu amigo editor voltou a me chamar anunciando que eu ia pegar página nobre e iria ser – palavras dele – “nosso novo Rubem Braga”. Topei. Já aprendera que nunca se diz não a trabalho, mesmo mal pago. Tinha um senão: o cara responsável pelo consultório sentimental, e que se assinava com um nome improvável de vedete do Carlos Machado, estava se desintoxicando numa clínica e era para eu responder aos leitores durante uma ou duas semanas. O Topa Tudo aqui embarcou nessa.
Inventei um nome à altura (não direi qual) e comecei a dirigir a vida sentimental dos pouquíssimos leitores com seus variados, porém sempre desinteressante problemas, com mulheres. Num lampejo brilhante (o lugar-comum sempre me foi caro) dei para inventar consultas inusitadas. Novo sucesso com, agora, três companheiros de redação.
A coisa parou aí, o jornal fechou pouco depois. Guardei a lição. Não virei um novo Rubem Braga, nunca mais escrevi sobre televisão ou teatro. Anos mais tarde, num jornaleco cujo nome não vem ao caso, dei para responder a carta de leitor. Também desinteressantes, claro. Como antes, dei para inventar os pobres diabos. Melhorou, melhoraram, muito. Ainda sentimos saudades uns dos outros.
Essa hora da saudade toda, por que esta semana, aqui no Reino Unido, surgiu uma alma irmã da alma que eu não tive. Danny Dyer, responsável pela coluna sentimental de uma revista algo pesada para a rapaziada da pesada, tal de Zoo, andou aconselhando um consulente (Alex, de Manchester) a dar, e cito-o traduzindo o melhor que posso, “uns cortes na fachada da ex-namorada” que não queria mais saber dele. Afim, o Dyer ainda acrescentava, “de que ninguém mais se interessasse por ela”. Deu bolo e demissão do consultor nada sentimental.
Confesso, não com humildade mas com orgulho, que mesmo nos meus piores dias de destratar leitor nunca fui tão longe. Agora, mais velho e menos jornalista, posso censurar quem eu bem entender. Contanto que não seja em Twitter, evidentemente.

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