quarta-feira, maio 05, 2010
O autoritário Kirchner e o vazio da Unasul
O autoritário Kirchner e o vazio da Unasul
Rodrigo Botero Montoya - O Globo - 05/05/2010
Entre os governantes que a Argentina teve desde a transição para a democracia, Néstor Kirchner se destaca como um personagem peculiar. Exerce o poder ao estilo de um caudilho agreste tradicional e se considera o digno sucessor de Juan Domingo Perón. Tem duas predileções que se reforçam mutuamente: o poder político e o dinheiro. Logrou combinar sua atividade governamental em Santa Cruz, sua província, e em Buenos Aires com negócios que o fizeram multimilionário. É provinciano nas duas acepções do termo: por sua origem e por sua visão do mundo. Tem pouco interesse pelo que acontece fora da Argentina ou pelas relações internacionais. Durante seu governo houve uma manipulação lamentável da Cúpula das Américas, em Mar del Plata, cuja organização era responsabilidade do país anfitrião. Deixou deteriorar as relações diplomáticas com o Uruguai, permitindo que um grupo de piqueteiros interrompesse de forma ilegal o tráfego fronteiriço, invocando um pretexto ecológico. A palavra “conciliação” não faz parte do seu vocabulário político. Além de atuar como cogovernante da Argentina, vai assumir a Secretaria Executiva da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Não parece óbvia a necessidade de um nível adicional de institucionalidade regional aos que já existem: OEA; Cúpula das Américas; Grupo do Rio; Conferência IberoAmericana de Chefes de Estado e de Governo; Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal); e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Muito menos que se dote a Unasul de um custoso aparato burocrático. Na lista de preocupações prioritárias da sociedade latino-americana, a carência de fóruns em que possam se reunir os governantes da região não ocupa um lugar proeminente. Mais ainda, poderia argumentar-se que esses eventos são realizados com excessiva frequência. A julgar pelo conteúdo dos comunicados que se expedem ao término das deliberações, sua contribuição à unidade regional é modesta. Isto para questionar a razão de ser da Unasul, como resposta a um vazio que seria urgente preencher no arcabouço institucional latino-americano. Se se aceita, para discussão, que a Unasul responde a uma necessidade percebida, surge a indagação se Néstor Kirchner é o mais indicado para conduzir a entidade.Para um país na esquina da América do Sul, com costas sobre dois oceanos, relações especiais com a América Central, assim como o Caribe insular, e uma larga tradição de amizade com o México, o esquema excludente da Unasul não tem sentido geopolítico nem diplomático. Até agora, essa entidade tem servido de cenário para que Chávez e seus assistentes organizem emboscadas contra a Colômbia. Se a existência da Unasul é um fato irreversível, o seu fortalecimento como organismo multinacional deve ser contemplado com um saudável ceticismo. No que diz respeito à gestão de Kirchner à Secretaria Executiva da Unasul, o interesse nacional recomenda negar-lhe respaldo. Sua afinidade com o movimento narcoguerrilheiro é conhecida. Recém-saído do governo, Kirchner foi a Villavicencio (Colômbia) para participar da farsa montada por Chávez para humilhar a sociedade civil colombiana e legitimar os delinquentes armados. Sua missão fracassou, ao se descobrir que o menino que as Farc ofereciam liberar, como parte de um espetáculo midiático, se encontrava em um centro estatal de atenção infantil. A viabilidade de Néstor Kirchner como candidato presidencial na Argentina no próximo ano está por se determinar. Seus antecedentes autoritários, caráter truculento, falta de autoridade moral e antipatia pelos princípios da democracia liberal, o fazem pouco recomendável à Secretaria Executiva da Unasul.
RODRIGO BOTERO MONTOYA é economista e foi ministro da Fazenda da Colômbia.
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