sábado, maio 15, 2010
O mundo cinzento das alianças
Rogério Simões – BBC Brasil
O senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello anunciou sua pré-candidatura ao governo de Alagoas. Para quem se esqueceu, Collor já governou o Estado nordestino, tendo sido eleito em 1986 favorecido pela então gigantesca popularidade do presidente José Sarney, do Plano Cruzado e, consequentemente, do PMDB. Como no final o plano não deu certo, Collor deixou o PMDB e passou a culpar Sarney por todas as mazelas do Brasil, como parte da estragégia que o levou ao Palácio do Planalto, em 1989. Muitos anos depois, já reabilitado na política e agora senador pelo PTB, Collor aliou-se ao também senador e também ex-presidente Sarney no Congresso Nacional, compartilhando um novo amigo em comum: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antigos alvos da fúria política de Lula, Sarney e Collor serão inclusive cabos eleitorais de Dilma Rousseff (PT) na disputa pela Presidência da República.
Essa é a realidade das alianças políticas, capazes de passar por cima de ideologias e mágoas antigas em nome, pelo menos em tese, do interesse comum. Mais conhecidas por muitos como "é dando que se recebe", alianças polêmicas estão longe de se restringir a jovens democracias, como temos visto claramente nos últimos dias. Pouco acostumados com sua necessidade e suas consequências, os britânicos são agora obrigados a enfrentar esse monstro da política, que põe princípios de lado e levam até as mais intransigentes lideranças a dançar com o inimigo.
As eleições para o Parlamento britânico, no último dia 6, não resultaram em um vencedor claro. O Partido Conservador, da oposição, ficou com o maior número de cadeiras e teve o maior número de votos, mas sem conseguir os 326 assentos que o permitiriam governar sem alianças. Com isso, o terceiro colocado, Partido Liberal Democrata, de características "conservadoras" na economia e "esquerdistas" em políticas sociais, virou o fiel da balança. Seu líder, Nick Clegg, anunciou que negociaria um possível acordo primeiramente com os conservadores, do líder David Cameron. Após três dias de conversas, a surpresa: Clegg também vinha negociando, secretamente, com o primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, que prometeu renunciar ao posto se um acordo de seu partido com os liberais fosse obtido. Ou seja, nas alianças britânicas um acordo entre o segundo e o terceiro colocados nas eleições poderia terminar com um primeiro-ministro diferente dos líderes dos três maiores partidos. O eleitor, que assistiu entusiasmado aos três debates que marcaram a campanha eleitoral deste ano, poderia receber como líder do país alguém que nem esteve presente nos embates na TV.
Como em qualquer processo de composição de aliança, a necessidade de concessão deixa muitos eleitores e as bases dos partidos indignados, perplexos. Parte do Partido Trabalhista disse claramente que não aceita um acordo com os liberais, por diferenças ideológicas (os liberais são vistos por muitos como distantes demais dos sindicatos de trabalhadores) ou programáticas (muitos trabalhistas não querem a reforma que os liberais têm exigido para mudar o sistema eleitoral britânico). Muitos liberais democratas passam mal só de pensar em participar de um governo conservador, e entre os conservadores há quem prometa lutar com unhas e dentes contra a reforma eleitoral liberal, mesmo que esta seja parte inicial de um acordo.
Os britânicos estão mais acostumados a um mundo político preto ou branco, conservador ou trabalhista, assim como os americanos se dividem entre republicanos e democratas. Diante do descrédito do atual sistema e do Parlamento, após um escândalo de abuso de despesas de parlamentares, as preferências políticas diluíram-se nas eleições da semana passada, oferecendo um cenário de divisão e incertezas. Mas muitos acreditam que as alianças, exatamente pela fragmentação das preferências do eleitor e do enfraquecimento das ideologias, serão parte da realidade daqui por diante. O mundo político britânico parece ter se tornado mais cinza, e uma sociedade antes acostumada com posições claras e radicalmente opostas terá de conviver com a dúvida e a acomodação política. Lula, Collor e Sarney são exemplos de um mundo em que a necessidade vem primeiro, e a ideologia depois. Talvez os britânicos tenham de abraçar um mundo novo, que há muito faz parte da realidade brasileira.
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