Ousar é pecado?
BENJAMIN STEINBRUCH - Folha de S. Paulo - 18/05/2010
O Brasil não pode perder oportunidades por puro conservadorismo, tanto na economia como no futebol
O SUBSTANTIVO ousadia foi muito usado na semana passada, quando o técnico Dunga anunciou os nomes dos jogadores convocados para a Copa do Mundo.
Vá lá que o Banco Central peque por falta de ousadia -que mantenha os juros desnecessariamente altos, que não se preocupe com o crescimento econômico e com a criação de empregos. Enfim, que seja conservador ao extremo, perdendo oportunidades de acompanhar o ritmo de outros países emergentes. Já estamos acostumados, embora isso seja muitas vezes incompreensível. Mas não poderíamos esperar que essa regra fosse adotada também no futebol. Nessa matéria, o Brasil é vanguarda, pode e deve ousar. A pátria em chuteiras, desde 1950, sempre foi um momento ímpar para o país. A cada quatro anos, quando chega a Copa, vai embora nosso complexo de vira-lata. Todos perdem a vergonha de vestir verde-amarelo, de carregar a bandeira e de gritar "Brasil, Brasil". Até espaços como este, de economia, são usados para palpites sobre futebol.
O que ocorreu na semana passada foi uma decepção para os brasileiros. É curioso, mas fazia muito tempo que a escolha dos nomes dos jogadores para a seleção não despertava tamanho interesse. Talvez porque os melhores jogadores, exportados para clubes europeus, não tivessem mais nenhum vínculo com as torcidas de clubes brasileiros.
Desta vez, porém, houve uma espécie de corrente de torcidas em favor de dois jovens jogadores do Santos, Neymar e Paulo Henrique Ganso. De uma hora para outra, os dois viraram unanimidade nacional.
Torcedores de todos os clubes passaram a defender a convocação desses "meninos" para a Copa. Eles passaram a representar o resgate de um futebol corajoso e ofensivo, característica brasileira.
A comissão técnica não teve sensibilidade para entender o que se passa no país do futebol. Misturar jovens talentos com profissionais experientes é uma das qualidades do bom administrador, não apenas no futebol. Em 1958, os novatos Garrincha e Pelé, este com 17 anos, viraram titulares na Suécia e foram heróis da conquista da primeira Copa. Em 1966, na Inglaterra, escalou-se um time de veteranos das duas Copas vitoriosas anteriores e foi um fracasso. Em 1998, alguns jogadores da campanha de 1994, fora de forma, jogaram na França e a campanha só não foi um fracasso total pelos milagres do goleiro Taffarel.
O argumento usado para justificar a não convocação dos dois jovens talentos é inaceitável. Diz-se que o técnico já tem uma base formada há três anos e que não pretende destruí-la. Desde quando a inclusão de duas pessoas pode destruir um grupo de 23? A base estaria mantida de qualquer forma.
Este artigo, porém, não é uma peça pessimista sobre a seleção na Copa. Até o Goldman Sachs considera o Brasil favorito. Com ou sem Neymar e Ganso, tem condições de ganhar o hexacampeonato. A tradição diz que seleções europeias não ganham Copas fora da Europa. Então, o Brasil é o maior favorito, seguido da Argentina.
Faço, portanto, apenas um protesto contra a falta de ousadia. Seria muito melhor ganhar jogando ofensivamente, como em 1958 e em 1970 ou mesmo em 1982, quando o Brasil perdeu a Copa, mas marcou época. O hexa que pode vir certamente será muito parecido com o tetra de 1994, burocrático, sofrido e sem arte.
O Brasil não pode perder oportunidades por puro conservadorismo, tanto na economia como no futebol.
BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
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