Justiça doce
CRISTINA AYOUB RICHE - O Globo - 17/05/2010
A posse do ministro Antonio Cezar Peluso, na presidência do Supremo Tribunal Federal, trouxe à memória a obra autobiográfica de Saulo Ramos, “Código da Vida”, em que o fio condutor da narrativa é o relato, em forma de suspense, de um caso de litígio familiar, curioso, complexo e dramático que vivenciou como advogado. E, nela, a atuação habilidosa, amorosa, dócil, cuidadosa e discreta do juiz da causa, cuja identidade só é revelada nas últimas páginas: o atual presidente do STF.
Saulo Ramos foi preciso ao comentar a atuação do então juiz Antonio Cezar Peluso: “Nosso juiz é um gênio, não apenas pelos conhecimentos do Direito, mas, sobretudo, pela forma como exerce a judicatura, dando valor ao aspecto humano, procurando compor as aflições das pessoas, e não aumentá-las ou criar novas.” Continua: “...O Direito nem sempre é a lei. É a justiça, que busca a felicidade do ser humano, e não a obediência cega a um preceito formal.
Muitas vezes, acima da força da lei está o poder da razão. O juiz desta causa sabe disso e assim agiu nesta questão complexa. Esse moço merecia ser ministro do Supremo, pois aquele tribunal precisa de gente dessa qualidade para se humanizar e dignificar o Judiciário brasileiro...” Em seu discurso de posse, o presidente do STF elegeu “a liberdade como princípio supremo de todas as leis, porque nela se concentram todos os valores próprios da inesgotável noção da dignidade da pessoa humana na plenitude e posse dos seus direitos individuais e sociais”. Destacou o combate à lentidão das respostas jurisdicionais e a importância dos meios alternativos de resolução de conflitos, oferecidos aos cidadãos como mecanismos facultativos de exercício da função constitucional.
Percebe-se que esse mundo complexo está a exigir do homem contemporâneo maior consciência da Justiça, e, certamente, a implementação de um mecanismo ágil e eficaz para a solução dos conflitos pode contribuir para que se amplie o poder de cooperação da sociedade com o Estado, na difícil tarefa de administração da Justiça. A lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e a Lei de Arbitragem 9.307, de 23 de setembro de 1996, se traduzem em microssistemas legais e estão inseridas nesse contexto.
Por isso, novos caminhos de justiça devem ser escolhidos, formalizados e trilhados, em substituição aos métodos adversariais, para o alcance de um desfecho mais célere, mais eficiente, menos doloroso, que não perdure indefinidamente.
Estimular a participação do juiz e de terceiros na solução dos litígios, fora do enquadramento procedimental tradicional, é mostra da evolução do direito pragmático.
Considero urgente a inserção da mediação, como meio autocompositivo de solução de litígios. Urge a sua institucionalização nas escolas e universidades, como pedagogia que objetive uma real mudança de cultura.
Os mecanismos da mediação são diferentes daqueles caracterizadores da decisão imperativa. Ela está voltada a propiciar maior harmonia no relacionamento entre as partes, conferindolhes a necessária dignidade, pelo exercício da cidadania, isso porque, não há vencidos ou vencedores, quando uma solução pacífica é encontrada pelos interessados.
A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, emprega a expressão “Justiça doce” para denominar a mediação e, assim, ensina: “O papel educativo da mediação além de conscientizar a parte da sua própria situação, conduz à compreensão da outra pessoa, seus valores, desejos e necessidades, na busca de soluções que envolvam respeito e aceitação mútua, compatibilizando interesses e gerando afinidades. É a mediação uma realidade em construção, na busca do abrandamento dos conflitos existenciais e sociais, por meio do diálogo.” Acredito que o ministro Peluso, presidente do STF, terá a sensibilidade e a sabedoria necessárias para investir na mediação de conflitos, estimulando a sua prática, como meio alternativo para solução de litígios — um dos caminhos para se contemplar a liberdade, a dignidade humana, para se ultrapassar o legalismo formal e se concretizar um novo humanismo.
O do século XXI.
A autora é professora e ouvidora-geral da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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