quarta-feira, agosto 25, 2010

O ministro trapalhão

O ministro trapalhão

JORGE BASTOS MORENO
Quando uma fonte de dentro do Palácio me informou que ele seria chanceler, na primeira reforma ministerial de Sarney, não sei onde estava com cabeça para tentar confirmar com Ulysses Guimarães, justamente o que menos sabia das mudanças. Claro, Sarney tinha herdado um ministério que não era seu e achava que estava na hora de ter um ministério para chamar de seu, mesmo que o dono do governo fosse Ulysses. 
— Estão de brincadeira contigo. O Sarney não cometeria uma burrice dessa. Tancredo se levantaria do túmulo
— disse, tão seguro, o chamado "condestável" da Nova República. 
Não vacilei. Liguei para a redação e pedi para derrubar o meu próprio furo jornalístico. No dia seguinte, quando Sodré foi confirmado ministro das Relações Exteriores, a pessoa que eu menos queria ver na frente era Ulysses Guimarães. 
No fundo, eu sabia que Ulysses se decepcionara com a indicação de Sodré. Uma das diversões dos políticos paulistas era contar as gafes e inabilidades do Sodré, apesar de ele ter tido um papel relevante na História política do estado, inclusive como governador. 
Sodré fora contemporâneo, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, de Ulysses, Jânio Quadros, Cunha Bueno e do grande jornalista Tavares de Miranda. E penou muito nas mãos deles. Acredito até que Sodré tenha sido a primeira vítima de bullying do mundo. 
Logo, Abreu Sodré disse a que veio. Normalmente, a Casa rejeita os forasteiros. Com Sodré, virou festa. Cada evento ou cada viagem, uma gafe, uma história nova. 
Uma das mais famosas foi a visita oficial do vice-primeiro-ministro dos Países Baixos ao Itamaraty. 
Os textos dos discursos do anfitrião e do visitante eram previamente colocados, já traduzidos nos idiomas dos oradores, às mesas dos convidados. Anfitrião, Sodré foi o primeiro a discursar: 
— Senhor chanceler, é com emoção que realizo esta que é a minha primeira visita ao Brasil. Agradeço as palavras de acolhida de Vossa Excelência. Desde quando pisei o solo brasileiro, pude sentir o quanto estão ligados nossos povos por vínculos de amizade e cooperação. 
Quando Abreu Sodré terminou as primeiras frases do discurso que não era o seu, mas do visitante, um assessor grita para o outro: 
— Que merda de texto é esse que você entregou ao ministro? 
Pobre Ulysses. Era a sua primeira experiência como governo e achava que o cargo de ministro de Estado era quase sagrado como o do próprio presidente da República. Se soubesse o que viria depois, o que está aí e, certamente, o que está por vir...
Publicado no Globo de hoje.

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