quarta-feira, agosto 25, 2010

A síndrome da criatura

A síndrome da criatura

Marcus Vinicius Motta

É um direito legítimo de um governante buscar sua reeleição. Sempre que a lei assim permitir e respeitados os limites da convivência democrática, a busca da manutenção de um projeto político – se for aliado a um projeto de país então é melhor ainda – não se configura em tendência autoritária e muito menos em salto rumo ao fracasso.
Mas é preciso, antes de tudo, que o tal governante saiba o que fazer com o poder em mãos, é preciso ter um plano. “Permanecer na cadeira” não é um plano. “Não mexer em time que está ganhando” também não é um plano. O passado serve como guia do futuro, mas não se pavimenta um metro de estrada com o asfalto que já foi derramado.
Essa situação passou a ser muito comum no Brasil após o advento da reeleição. O governante passa o primeiro mandato potencializando suas conquistas e dourando a pílula de seus fracassos, tudo na intenção de conseguir os desejados “mais quatro anos”. Depois que consegue, vem o desastre. Não existe mais aquele grande prêmio ali adiante, já que uma terceira eleição consecutiva é vedada por lei, então ele simplesmente passa os dias esperando a morte chegar, realizando um governo de qualidade bem inferior ao que realizou anteriormente.
Mas existem os que governam razoavelmente bem em ambos os mandatos e ainda aqueles que precisam sair do cargo para disputas maiores antes do tempo – caso de prefeitos que concorrem ao governo e governadores que concorrem à presidência – deixando ali seu lugar-tenente.
Nesse caso as situações são bem parecidas: eles precisam garantir ao eleitorado que aquele substituto na verdade é uma imagem refletida deles mesmos. Eles precisam garantir a tão conhecida “transferência de votos” e transformar o que muitas vezes não passa de um estafermo em seu herdeiro político. E aí o potencial para desastres aumenta exponencialmente.
Isso acontece porque ainda que seja possível criar uma imagem à semelhança de um criador, o normal é que a criatura seja sempre inferior. Existem exceções, é claro, mas como o próprio nome já diz, não é o devemos esperar.
O que podemos esperar é que a incompetência e a indecisão naturais do títere façam ruir até mesmo a popularidade antes inabalável do titereiro, ou então que a criatura se rebele, corte as cordas e inicie uma luta fratricida no seio daquele grupo político
Não faltam exemplos – tanto da incompetência quanto da traição das criaturas – na política nacional e internacional.
Celso Pitta terminando de destroçar o nome já não menos destroçado de Maluf é um bom exemplo. Rosinha rebaixando Anthony Garotinho dos 15% de votos numa eleição presidencial em 2002 de volta para ser apenas um cacique regional de Campos (RJ) é outro. Cristina Kirchner abalando a popularidade do seu marido Néstor (que chegou a perder uma eleição na província de Buenos Aires para um empresário colombiano naturalizado chamado Francisco de Narváez) é um caso bem significativo. César Maia elegendo Luiz Paulo Conde prefeito do Rio de Janeiro e logo depois o grupo político de ambos rachando ao meio é outro exemplo clássico.
Tudo isso serve para provar que uma das maiores ruínas de um político é sua vaidade. A sensação de poder enfeitiça qualquer um, a saída deste mesmo poder pode ser traumática – dizem que na porta dos “ex” a grama cresce alta devido à falta de visitantes – e a tentação de manter este poder é imensa. Alguns tentam subverter as regras da democracia – como faz Hugo Chávez na Venezuela – outros procuram se manter no poder através dessas criaturas eleitorais, como faz agora Lula no Brasil.
E muitas vezes a falta de preparo, a falta de liderança e até mesmo a fadiga de material que qualquer grupo político sofre em anos de poder transforma essa experiência em desastre.
Isso quer dizer que pretendo fazer terrorismo eleitoral ou então que torço pelo fracasso de um eventual terceiro governo petista? Não, não mesmo.
Isso quer dizer apenas que o mesmo passado que empurra alguns políticos a fazer campanha com os olhos no retrovisor, pretendendo “garantir a continuidade”, também serve de advertência para o fato de que “continuidade” não é nada sem um plano e sem qualidade.
É preciso estar sempre atento à Síndrome da Criatura.

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