segunda-feira, outubro 18, 2010
A carne é forte
A carne é forte
Sergio Britto – O Globo - Revista
Há poucos dias, acordei pensando em meu irmão, Hélio, e na mulher dele, Nena.
Os dois viveram juntos por 40 anos. Todas as vezes em que eu os encontrava, eles estavam de mãos dadas, abraçados, agarrados, fisicamente próximos. Uma vez, e olha que eles já estavam juntos há décadas, Hélio me contou que eles faziam amor todo dia. Nena morreu de câncer e, logo antes de morrer, pediu ao marido: — Hélio, não fica sozinho, você precisa arranjar uma mulher.
Para mim, foi uma das maiores provas de amor já presenciadas: o reconhecimento do outro como ele realmente é — no caso do meu irmão, uma pessoa muito sensual, ou sexual. E ela não queria que ele estivesse só.
Tenho vivido em cena um personagem impotente. A impotência dele, mesmo que não seja discutida abertamente pelo texto, é como se fosse uma névoa pairando todo o tempo, envolvendo os personagens. Aquele casal, junto há cinco décadas, ainda vive o rescaldo, o resto de um sopro de paixão, a lembrança do tesão que envolveu os dois na juventude. Essa perda do poder, da potência, é a espinha dorsal da amargura desses dois septuagenários — ele, com raiva; ela, com ressentimento. Eles se lembram do carinho, têm uma afeição que sobrevive ao tempo e à decadência física; só que a amargura e a sensação de aprisionamento são muito fortes.
Tesão, carinho, cumplicidade, amizade, respeito, admiração. Ou, simplesmente, amor. Amor, para mim, é uma grande mistura de tudo isso, um blend que traz sentimentos diferentes, em diversas proporções.
Há momentos na vida de um casal em que predomina um desses elementos, e isso é um processo natural. Mas, numa longa relação, quando o tesão diminui, ou o carinho, digamos, tira umas férias, manter a chama do amor é um desafio a ser superado.
E quando algum desses elementos vai embora de vez — e a coisa mais comum é que o tesão mude de mala e cuia, porque paixão física em geral acaba mesmo —, a gente precisa repensar os caminhos.
O amor físico pode ficar banal, repetitivo, mas, apesar disso, pode ser base de um relacionamento, por que não poderia? O sexo pode não ser tudo, mas significa tudo, tem um sentido que está presente em todos os níveis de um relacionamento amoroso. E entendo isso em relação a qualquer tipo de casal, não importa o sexo.
Eu poderia dizer que nunca fui fiel, mas prefiro dizer que nunca fui infiel — só que, a cada vez que me chegou um novo apelo, não via motivo para resistir, para não ir em frente. Naturalmente que o tempo acalma a urgência de tudo, traz uma tranquilidade, até mesmo um distanciamento.
Mas ainda hoje, aos 87 anos, sinto a força do amor físico e atendo a esse chamado com menos intensidade, mas atendo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário