segunda-feira, outubro 18, 2010

Distorções na Previdência acirram desigualdade

Distorções na Previdência acirram desigualdade
Disparidade entre INSS e regime do funcionalismo público impede melhor distribuição de renda, mostra estudo do Ipea
Vivian Oswald e Geralda Doca – O Globo
       Fonte: Ministério da Previdência Social, FGV, IBGE, elaboração prof.Pompeo 
 Uma caixa de surpresas ainda hoje, a Previdência Social reflete uma das maiores mazelas do país: a desigualdade de renda. Grandes distorções entre os valores pagos aos aposentados pelo INSS — que recebem o salário mínimo ou estão sujeitos a um teto máximo do benefício — e o regime próprio do funcionalismo público — no qual há benefícios e pensões sobre os quais pouco se sabe — são concentradores de renda.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que compara a distribuição de renda do trabalho da sociedade à dos benefícios previdenciário, a convivência desses dois sistemas foi um dos principais responsáveis pela manutenção das diferenças entre os mais ricos e os mais pobres nas últimas duas décadas.
— Não há dúvida de que o regime próprio promove as maiores diferenças. No regime geral, as pessoas recebem praticamente o que contribuíram — disse Sergei Soares, do Ipea, responsável pelo estudo.
Servidor tem benefício médio de R$ 5.835. INSS, de R$ 657 Em 2009, o INSS registrou déficit de R$ 42,8 bilhões para atender a um público de 23,5 milhões de segurados. O valor médio do benefício, em dezembro daquele ano, foi de R$ 657,69. Já o regime de aposentadoria da União teve saldo negativo de R$ 47 bilhões — mas atendeu quase 96% menos pessoas. Os beneficiados foram 936.468 aposentados e pensionistas, o que inclui pessoal civil e militar, legislativo e judiciário.
Neste caso, o beneficio médio é de R$ 5.835 mensais, cerca de nove vezes mais do que o pago a segurados do INSS.
Há vários casos em que o benefício pode ser até mais de 22 vezes superior à média do INSS. E isso varia muito de acordo com o Poder. Estão nesta situação aposentadorias médias do Banco Central, do Legislativo, do Ministério Público e do Judiciário, que superam R$ 15 mil por mês.
O problema não para nas diferenças entre os tamanhos das aposentadorias. Especialistas dentro do próprio governo reconhecem que é difícil saber exatamente o tamanho das distorções.
       Fonte: Ministério da Previdência Social, FGV, IBGE, elaboração prof.Pompeo 
Em tese, o Ministério do Planejamento responde pelas aposentadorias do Executivo, mas o Banco Central e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) rodam as suas folhas separadamente.
O mesmo ocorre com Tribunal de Contas da União, Senado e Câmara, além das três Forças Armadas. A Previdência recebe, por exemplo, dados fechados das pensões de militares — cujos detalhes são tratados sob sigilo.
Regime do funcionalismo é ‘cheio de caixas-pretas’ Para Soares, “o sistema é cheio de caixas-pretas”.
— Quanto maior o benefício, maior a caixa-preta.
As Forças Armadas têm ainda regras diferenciadas (30 anos de contribuição, somando tempo de escolas e licenças especiais não gozadas dobradas), o que faz muitos irem para a reserva com pouco mais de 40 anos.
Outra distorção é o fato de pensões e aposentadorias poderem ser acumuladas. Ou seja, se a viúva de um militar ou de um servidor público é também filha de militar, tem direito a duas pensões. O gasto total do regime de aposentadoria das três Forças é de R$ 33,8 bilhões por ano, com déficit crescente na casa dos R$ 6 bilhões até 2038, quando se aproximará de R$ 10 bilhões. Após esta data, a tendência é de queda, com o fim da pensão vitalícia para as filhas de militares que ingressaram a partir de 2001.
O documento do Ipea esmiuça separadamente as diferenças da distribuição de renda no universo daqueles que recebem as aposentadorias e pensões corrigidas pelo salário mínimo e daqueles que têm benefícios que não são indexados ao piso.
Olhando-se os gráficos de cada um, Soares compara a curva de distribuição e, por uma fórmula matemática, chega a números que variam de -1 — distribuição de renda perfeita — a +1 — o cenário de maior desigualdade.
As diferenças são gritantes. A distribuição da renda do trabalho melhorou de 1995 até 2009, saindo de 0,61 para 0,57. No caso da Previdência, o quadro é completamente diverso. Após algumas reformas mais simples na “Era Fernando Henrique Cardoso” e outras mais amplas na “Era Lula”, as diferenças até pararam de crescer. Mas a distribuição ainda não começou a melhorar.
O indicador foi de 0,58 em 1995, atingiu o teto de 0,60 em 2000 e manteve-se em 0,56 desde 2008.
O maior problema é que dentro da Previdência os rendimentos são muito desiguais. Enquanto o indicador para quem ganha um salário mínimo está em 0,09, mais perto do equilíbrio, o índice para os benefícios que não são corrigidos pelo piso salta para 0,72, ou seja, perto do teto do cenário mais desigual.
Desigualdade poderia ter caído a partir dos anos 90 Soares vai mais longe e garante que as diferenças entre os mais ricos e os mais pobres já teriam começado a cair na década de 90 não fossem as pensões do chamado regime próprio, aquele que paga os benefícios a funcionários públicos.
— A renda do trabalho começou a ser mais igual na década de 90. Os benefícios da Previdência superiores a um salário mínimo, que compõem esta renda, foram fator concentrador.
Analistas pedem reforma
Próximo governo terá que fazer mudança, dizem
 Os excessos da Previdência e o déficit crescente do setor já entram no topo da agenda do próximo presidente da República. Há consenso entre especialistas de que já não se pode mais adiar medidas urgentes. Uma saída seria dar início a ações que não ofereçam muito desgaste político logo e mudar as regras somente para quem entrar no mercado de trabalho.
Marcelo Caetano, que trabalhou no Ministério da Previdência e é pesquisador do Ipea, defende o fim da possibilidade de acúmulo de pensões e o pagamento diferenciado da pensão por morte. Viúvas jovens teriam benefício menor, por exemplo. Ele recomenda ainda nova alteração da idade mínima para a aposentadoria. Para o especialista Fábio Giambiagi, o estudo do Ipea mostra a importância de se fazer a reforma: — Ao contrário da reforma tributária ou da política, na qual cada um tem a sua proposta e não está claro que caminho seguir, na Previdência o diagnóstico é muito claro.
Falta liderança política para encarar a reforma de frente.
Segundo o ex-secretário de Previdência Social do governo Lula Helmut Schwarzer, a grande maioria dos servidores públicos ganha menos que o teto do regime geral.
— Trata-se de um grupo pequeno de servidores que recebe valores mais altos, mas o seu peso no total das despesas é desproporcionalmente alto — disse. (V.O. e G.D.)

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