terça-feira, dezembro 28, 2010
GOVERNO LULA ACOMODOU-SE À DESCULPA DA GOVERNABILIDADE
GOVERNO LULA ACOMODOU-SE À DESCULPA DA GOVERNABILIDADE
EDITORIAL - VALOR ECONÔMICO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerra oito anos de mandato com um saldo de inegáveis avanços nas áreas econômica e social, mas exibindo pífios resultados políticos. O Partido dos Trabalhadores vendeu a ideia de que sua ascensão ao poder seria o rompimento com a política tradicional, a transformação da política de negócios em política de valores. Oito anos e vários escândalos depois, o PT, embora ainda o mais orgânico do quadro partidário brasileiro, derrubou seu próprio mito de legenda imune à corrupção da política brasileira. O partido de Lula no poder não mudou a tradição venal da política do país e, por conveniência eleitoral ou alegadas questões de "governabilidade", sequer conseguiu mediar um debate sobre a profundidade das reformas necessárias no presidencialismo, e no sistema eleitoral e partidário brasileiros, para livrar o Brasil da triste sina histórica de política de compadrio e de clientela.
O chamado escândalo do "mensalão", em 2005, trouxe o PT para a planície. A crise política dele decorrente fincou os pés do partido na política tradicional. Se, nas eleições de 2002, a agremiação de Lula já incorporou o pragmatismo de alianças políticas excessivamente elásticas, que reuniam do PT a pequenos partidos de direita, em 2007 assumiu essa tática em toda a sua extensão, quando incorporou o PMDB à sua base de apoio. A eleição de Dilma Rousseff para cumprir o terceiro mandato petista, em outubro deste ano, oficializou a aliança com o PMDB como o caminho mais fácil para a governabilidade, levando o partido mais alinhado à política tradicional, de todo o quadro partidário brasileiro, à vice-presidência.
Na campanha eleitoral que elegeu a sucessora e candidata de Lula, as fartas demonstrações de afeto e consideração do presidente por figuras carimbadas da política privatizada pelos sistemas de poder estaduais não deixaram dúvidas de que o presidente não tem mais nenhum problema de convivência com a política tradicional. O presidente do Senado, José Sarney, foi guindado a "grande amigo e conselheiro" e "irmão de alma", em discurso de improviso feito por Lula no jantar que sacramentou a escolha dos cinco ministros do PMDB por Dilma Rousseff. O presidente também não poupou elogios ao senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), ex-presidente que sofreu impeachment em 1991, e ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que quase perdeu o mandato no Senado devido a supostas irregularidades cometidas com dinheiro público.
O PMDB que tão naturalmente subiu ao palanque de Dilma Rousseff estará agora oficialmente no governo petista, com o vice-presidente e ministros. Não existem mais incompatibilidades entre o PT e o PMDB, mas as exigências de "governabilidade".
É certo, Lula não foi o primeiro nem será o último presidente a ceder às exigências da camisa de força da política tradicional brasileira. Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), DEM e PMDB tiveram um lugar especial na base de apoio governista. Os escândalos também não faltaram no período FHC. O flagrante de compra de votos para aprovação da emenda da reeleição foi o maior e o mais revelador da adesão incondicional do governo tucano à política de favores e trocas. José Sarney, primeiro presidente civil depois da ditadura militar (1964-1985), ganhou um ano a mais de mandato na Constituinte, fruto de uma forte cooptação dos partidários da política franciscana do "é dando que se recebe".
A política tradicional como mal inevitável, no entanto, é um fatalismo que apenas privilegia o status quo. O sistema eleitoral e partidário brasileiro tem problemas; o presidencialismo está eivado de contradições que dificultam a governabilidade. A solução para isso, todavia, não é o mero pragmatismo. Ceder à política tradicional pode evitar o isolamento e a queda de governos, mas está longe de ser uma solução profilática definitiva para a desacreditada política brasileira. O debate tem que ser colocado à mesa. E uma folgada maioria no Congresso, para ter alguma utilidade, tem que ser usada para aprovar mudanças profundas no corroído sistema político brasileiro. Lula sai devendo ao país alguma audácia nessa área. A reforma política não saiu da lista de boas intenções para entrar na de realizações do presidente mais popular da história do país.
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