terça-feira, dezembro 28, 2010
O jogo de risco da presidente eleita
O jogo de risco da presidente eleita
Raymundo Costa - VALOR ECONÔMICO
Fechado o ministério, pode-se afirmar que Dilma Rousseff levou ao limite a parceria com o Congresso na formação do novo governo. A presidente que toma posse no sábado inovou ao deixar que bancadas partidárias escolhessem livremente seus representantes no gabinete, como nunca antes, talvez, na história deste país. O normal, até bem pouco tempo, era o presidente escolher o ministro e pedir para os líderes partidários viabilizarem politicamente a indicação.
Exemplo de livre escolha da bancada é o deputado Pedro Novais (PMDB-MA), um ilustre desconhecido indicado pelo PMDB na Câmara para o Ministério do Turismo, com o aval da família Sarney. Na mão inversa, Dilma Rousseff engoliu em seco a recondução de Orlando Silva para o Ministério do Esporte, pois o PCdoB não aceitou sua sugestão para a indicação uma mulher.
O governo Lula flexibilizou o relacionamento com os partidos, no pós-mensalão, mas os dirigentes do PMDB não se lembram de caso em que ministro tenha sido eleito pela bancada, caso do supracitado Pedro Novais, ou por abaixo-assinado de parlamentares, como foi a indicação (aceita) do deputado Mário Negromonte (BA), líder do PP, para o Ministério das Cidades (as listas de "apoiamento" são rotineiras, mas não decisivas nas escolhas).
A inovação tem dois efeitos, ambos nocivos para a presidente de um governo que se inicia. O primeiro é que o ministro é da bancada e não da presidente. O segundo é que leva para as negociações maiores a chantagem comum ao varejo político da Câmara dos Deputados.
Pode-se dizer que a presidente, ao aceitar a imposição das bancadas, fica à vontade para exigir a contrapartida dos partidos nas votações, inclusive do PT. Um argumento duvidoso, quando se sabe que o presidente do PP, Francisco Dornelles, levou a Dilma o nome de Negromonte, escolhido pela bancada, mas preferia a manutenção do ministro Márcio Fortes em Cidades.
Outro risco embutido na inovação da presidente eleita: o índice de renovação da Câmara foi de cerca de 50% (46%, para ser mais preciso). Isso quer dizer que cerca de metade da Câmara que assume em 1º de fevereiro não participou da eleição ou integrou as listas de abaixo-assinado. Ou seja, ela só poderá cobrar recíproca dos 50% que trabalharam pelo nome indicado, considerando-se que os indicados receberam o apoio de todos os aliados, o que certamente não é o caso.
A troca de guarda em Brasília, nas eleições de 2002, provocou mudanças em hábitos e rituais da política, entre as quais o estilo Dilma de negociar e compor o ministério é apenas uma das novidade mais recentes. Ela também inovou na liturgia da anunciação. Os nomes escolhidos, em geral, foram divulgados por meio de uma fria nota emitida pelo gabinete de transição.
A exceção foi a apresentação formal da equipe econômica, cujo objetivo evidente era apresentar Alexandre Tombini, o nome escolhido para presidir o Banco Central (BC) e acalmar um mercado que vive à procura de um pretexto para ficar nervoso. Ainda assim, uma nota havia confirmado a manutenção de Guido Mantega no cargo de ministro da Fazenda.
Alguns tabus da política caíram nos anos Lula da Silva, mas nem sempre por responsabilidade do PT. A regra não escrita segundo a qual ex-presidente deve se abster de falar de política, por exemplo, foi quebrada sem meio termo por Fernando Henrique Cardoso, mas em nenhum momento as instituições estiveram ameaçadas pelo senso de humor ferino do ex-presidente da República. A troca de estocadas entre o ex tucano e o futuro ex petista, no máximo, feriram a vaidade de um e de outro. Lula não consegue ser coerente: ora diz que vai se manter ao largo dos assuntos de Estado, ora que ficará vigilante e que vai dar palpites sobre aquilo que achar errado no governo.
Essa é uma das grandes incógnitas do futuro imediato: o papel de Lula no governo do qual foi o principal fiador na eleição. Trata-se de uma situação inédita na política brasileira. Lula, um presidente que deixou o cargo com a popularidade nas alturas, é o maior responsável por tirar Dilma do anonimato para a chefia da Nação. Pode ajudar, mas também atrapalhar, se não calcular e refletir detidamente sobre seus movimentos a partir de janeiro.
Basta lembrar o constrangimento de Guido Mantega ao anunciar cortes no Orçamento de 2011, inclusive em obras do PAC, e ser repreendido por Lula, afinal de contas seu chefe até a meia-noite de sexta-feira, 31. Guido falara após uma longa conversa com a presidente eleita na Granja do Torto. Emparedado por Lula, que ameaçou vetar cortes no PAC, o ministro divulgou nota que só deu contornos mais nítidos ao absurdo da situação.
"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem razão quando diz que o objetivo dos cortes no custeio "é aumentar investimento em infraestrutura"", dizia a nota.
Em relação ao PAC, o ministro de Lula esclareceu que a prioridade "é terminar os [projetos] que já estão em andamento, que levam um ano ou dois para terminar". Já o ministro de Dilma arrematou dizendo que novos projetos, previstos para 2011, começarão mais lentamente: "Uma questão de ritmo", disfarçou. Mais tarde, em cerimônia no Palácio do Planalto, Lula acabou por dizer que, no final das contas, Guido é quem sabia das coisas. Arrancou sorrisos cúmplices da plateia. Dilma ficou calada.
A presidente também ficou em silêncio sobre os escândalos que alcançaram o já citado Novais e a senadora Ideli Salvatti (SC), ex-líder do PT e do governo, indicada para o Ministério da Pesca e Aquicultura. Os dois foram pilhados usando indevidamente dinheiro do contribuinte - Novais cobrou da Câmara a conta de um motel em São Luís (MA); Salvatti recebeu do Senado a indenização de uma conta de hotel, em Brasília, embora já receba da Casa o auxílio-moradia.
Nada disso foi motivo bastante para a presidente eleita rever a decisão de nomear os dois congressistas, mesmo com os dois congressistas reconhecendo o erro. O governo Dilma nem começou e já é a cara do governo Lula. Nem tanto pela manutenção de grande parte da equipe que acompanhou o presidente nesses oito anos de mandato, mas pela tolerância excessiva em assuntos como a ética na política. Espera-se que não vire padrão.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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