terça-feira, dezembro 28, 2010

Lula: 'Acordo não pode ser só para ganhar mais'

Lula: 'Acordo não pode ser só para ganhar mais'
Chico de Gois e Luiza Damé - O GLOBO
Lula descarta aumento maior do mínimo, diz que piso será de R$540 e critica sindicalistas
Embora mantenha no ar a possibilidade de voltar a se candidatar em 2014, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que vai trabalhar pela reeleição de Dilma Rousseff. Disse que esse é o caminho justo e legítimo, mas ressalvou que ainda é cedo para falar sobre a próxima eleição e que esse debate agora só interessa à oposição. Durante café da manhã com jornalistas que fazem a cobertura diária do Palácio do Planalto, Lula falou de vários assuntos. Disse que gostaria de voltar a ser amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, disse que o pior momento de seus dois mandatos foi o acidente com o avião da TAM, em 2007 - e não o escândalo do mensalão - e sustentou que o salário mínimo, hoje de R$510, será de R$540 e não R$580 como querem os sindicalistas.
Lula disse ainda que não tem mais idade para voltar a estudar e considera que já aprendeu muito na Presidência da República:
- Isto aqui é uma pós-graduação elevada à quinta potência.
Quando recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique, em 2003, Lula afirmou que seu antecessor deixava no cargo um amigo. Nos oito anos de mandato do petista, porém, a relação foi marcada por troca de farpas. Ao ser lembrado ontem do que dissera em 2003, afirmou:
- Do ponto de vista pessoal, a hora que eu encontrar o Fernando Henrique voltamos a ser, se não amigos como fomos em 1978, quando eu o procurei para apoiá-lo ao Senado, amigos.
Em quase uma hora e meia de conversa com os jornalistas, no Salão Leste do Planalto, o presidente manteve o bom humor. Tomou pelo menos três xícaras de café e comeu pão com manteiga - enquanto se servia lembrou, descontraído, que pediu ao Inmetro providências em relação às embalagens individuais de manteiga oferecidas nos aviões no Brasil, porque elas não tinham um ponto para abrir, como em outros países.
Ao final do café, Lula mudou o cerimonial e, em vez de tirar uma foto com os mais de 60 repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, como nos anos anteriores, pediu para o fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert, fazer fotos individuais com cada um deles.
GOVERNO DILMA: "Estou altamente confiante de que Dilma montou um governo capaz de aprimorar as coisas que fizemos. Ela conhecia a totalidade do conjunto da obra que estava sendo feita. Para ela não tem novidade. Ela conhece todos, boa parte dos ministros que já trabalhava com ela. Ela vai ter uma vida mais facilitada do que tivemos em 2003, quando tudo era novidade: lidar com os ministros, com a imprensa, conhecer o Palácio."
SOLIDÃO: "Quando eu me refiro à solidão, me refiro aos finais de semana em que você não pode convidar as pessoas para irem na sua casa. Sou um ser humano de muitos amigos. Fiz uma opção predeterminada de ficar oito anos em Brasília. Eu não fui a nenhum restaurante, nenhum aniversário, nenhum casamento, nenhum batizado. Hoje, qualquer lugar que você vai tem gente com um celular filmando, gravando, bisbilhotando a vida da gente. Eu fiz uma opção e acho que foi correta porque coloca o cargo de presidente menos vulnerável nas rodas de cerveja e uísque."
DESENCARNAR: "Estou interessado em passar por um processo de desencarnação da Presidência. Se você deixa a Presidência e continua fazendo política logo em seguida vai estar sempre com a Presidência na cabeça. Isso não é correto, não é bom para mim nem para quem vai assumir. Vou passar um tempo sem dar palpite em política. Vou tentar voltar à normalidade."
SAUDADE: "Acho que vou sentir falta da relação de amizade que fiz aqui. Usei muito pouco a piscina (do Alvorada), tenho muito medo do helicóptero e por isso não vou sentir falta da piscina nem do helicóptero. Acho meu apartamentozinho em São Bernardo pequeno, mas é mais aconchegante que o Palácio (da Alvorada). Vou sentir falta, por incrível que pareça, de vocês. A gente sente falta das coisas com que a gente convive, não das coisas abstratas. Sentir falta não é correto. É sentir saudades. E a gente só sente saudades do que a gente gostou."
MEMORIAL: "Eu ainda não sei como, mas pretendo construir um memorial em que a história possa ser contada, e (com isso) dar às pessoas toda a possibilidade de analisar como quiserem. Você tem uma história de vida muito grande, uma história de militância política, de organização sindical, da fundação de um partido, da disputa de tantas eleições. Tudo isso resultou num material riquíssimo. O Lula não surgiu do nada. Ele é resultado de um movimento que começa com a rebelião dos estudantes nos anos 60, a rebelião dos sindicalistas nos anos 70, a criação de movimentos sociais espalhados por este Brasil afora, a Teologia da Libertação. Eu sou resultado de uma sociedade em processo de efervescência."
JOSÉ ALENCAR: "Duvido que no mundo alguém tenha encontrado um vice-presidente da magnitude que eu encontrei o José Alencar. (...) Estou pedindo a Deus que ele esteja bom e venha para a posse."
FERNANDO HENRIQUE: "Sou um homem que não leva para casa as divergências. O que vocês precisam entender é que os tucanos são os principais adversários do governo. É normal que haja um acirramento nas relações. Do ponto de vista pessoal, a hora em que eu encontrar o Fernando Henrique voltamos a ser, se não amigos como fomos em 1978 quando eu o procurei para apoiá-lo ao Senado, vamos ser amigos. Eu vou respeitá-lo e espero que a recíproca seja verdadeira. Obviamente que sempre haverá aquela chatice de ficar comparando os dois períodos. Mas aí são números, e, para a gente não ficar brigando com os números, é melhor a gente não divergir. Deixe que cada um analise como quiser."
ACIDENTE TAM: "A mágoa mais profunda que eu tenho foi o caso do acidente com o avião da TAM. Nós fomos condenados à forca e à prisão perpétua em 24 horas. Jogaram a culpa do acidente da TAM nas costas do governo e depois ninguém teve sequer a sensibilidade de pedir desculpas. Ali foi o momento mais difícil. Fazer o quê? Na vida da gente não acontece só coisa boa. Se tivesse de não lembrar, era desse dia. Foi o pior dia que passei na Presidência. Do ponto de vista pessoal foi pior, porque o outro (a crise do mensalão) era um problema político e, na política, os partidos é que tratem de resolver. Não esqueço nunca editorial que saiu jogando 200 cadáveres nas costas do governo."
CONTROLE DA MÍDIA: "Eu não defendo o controle da mídia, defendo a responsabilidade da mídia. A mídia brasileira precisa parar de achar que não pode ser criticada. Ela se dá ao luxo de criticar todo mundo, mas quando se critica a mídia ela acha que é censura. O dono do jornal ou da revista fazer a matéria que ele quer e contar a mentira que quer é liberdade de imprensa. Alguém criticar é censura? É preciso balizar isso aí. Duvido que você encontre um lugar em que a imprensa é tratada com a liberdade com que é tratada no Brasil."

MARCO REGULATÓRIO: "Não é possível que as pessoas que passam o tempo todo falando em modernidade, inovação, na hora que você fala "vamos fazer o marco regulatório" acham autoritarismo, que está querendo ter intromissão na liberdade de imprensa. Fazer um debate público, como o que fizemos, isso é liberdade de imprensa. Eu acredito numa liberdade de imprensa onde eu possa discordar. Espero que seja feito um debate onde todos participem e ninguém se sinta fora."
CRISE FINANCEIRA: "Tínhamos uma crise econômica em que o dinheiro desapareceu do mercado. Liberamos US$100 bilhões do compulsório para que os bancos pudessem comprar carteiras dos bancos menores. O que queríamos era facilitar o crédito. Foi por isso que houve uma intervenção forte da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES. Por isso voltamos à normalidade mais rápido do que os outros países. Se a Alemanha tivesse ou se a Grécia tivessem tomado as medidas com a rapidez que tomamos, não teria se aprofundado a crise europeia. Nesse aspecto, tem de valorizar muito o trabalho do ministro Guido Mantega (Fazenda) e do (Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central)."
FACULDADE: "Eu não tenho mais idade para estudar. Eu queria mesmo era ser economista. Mas temo que tenho pouco mais a aprender do que aprendi na Presidência da República, porque isto aqui é uma pós-graduação elevada à quinta potência. Ou seja: aqui você tem de entender de um conjunto de coisas e tem de deliberar, por isso só pode um de cada vez. Não sei se tenho idade de fazer o Enem."
2014: "Em 2014, eu trabalho com a ideia fixa de que a companheira Dilma será outra vez candidata à Presidência da República. É justo e é legítimo que quem está no exercício do mandato e está fazendo um bom governo continue governando. Então a Dilma será a minha candidata em 2014. Só existe uma hipótese de a Dilma não ser candidata: ela não querer. Na minha opinião, é líquido e certo o direito de ela ser candidata à reeleição. E ela sabe disso. Portanto, acho que é muito cedo para a gente discutir 2014. Nós nem começamos 2011. Você nem deu posse e já está pensando em 2014. Isso interessa a quem quer correr contra a Dilma. Terá um monte de adversários querendo transformar 2014 na pauta de segunda-feira, e cabe a quem está no governo governar."
INFLAÇÃO: "Eu não posso mais dar palpite sobre economia. Inflação, 5,3%, estamos dentro da meta. Se a meta é 4,5% e você pode dois para mais ou dois para menos, qual é o problema? A inflação me preocupa todo dia e toda hora. A inflação corrói o salário. A nossa, neste momento, está dentro da meta. Portanto, não tem nenhuma preocupação. Se houvesse risco de ultrapassar a meta, essa preocupação teria maior importância. Em janeiro vai ter reunião do Copom, o presidente do Banco Central será outro, a presidente será outra."
JUROS: "A última vez em que o Copom se reuniu no meu governo não aumentou juros. É o máximo que eu posso falar. Eu não vou ficar nem como aqueles monetaristas que acham que tem de aumentar juros a toda hora nem como aqueles que ficam na Fiesp dizendo você tem de baixar os juros. Esta coisa é o seguinte: a dosagem do remédio dá quem tiver autoridade para cuidar do paciente. O Brasil está seguro, e a Dilma sabe, porque participou de muitas reuniões, para enfrentar qualquer situação de adversidade."
SALÁRIO MÍNIMO: "R$ 540 foi o valor aprovado no Congresso. Se tiver que fazer alguma mudança, a presidente Dilma fará em janeiro. Temos uma proposta justa, coerente e que tem de ser levada a sério. Os companheiros sindicalistas não podem fazer um acordo e esse acordo só valer quando é para ganhar mais. Quando é para ganhar menos, não vale. Temos uma proposta de recuperar o salário mínimo até 2023, numa combinação de inflação e crescimento do PIB. É fato que, na crise americana, tivemos um PIB menor, e vai ser só a inflação. Mas é importante olhar para o ano que vem, que vamos ter um crescimento do PIB de 8%, com uma inflação de 5%, e será um reajuste de 13%. As pessoas precisam olhar isso."
TERCEIRO MANDATO: "Estou tendo dificuldade de deixar (o mandato)? Não. Tomei posse no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no dia 24 de abril de 1975. Em 76, convoquei assembleia e defini, sem ninguém pedir, que o presidente do sindicato não poderia ficar mais do que dois mandatos. Ora, quando eu tinha liberdade de ficar o tempo que eu quisesse, não quis. Por que num mandato que está na Constituição com prazo de entrada e de saída eu iria pedir para continuar? Acredito muito na democracia e acredito na necessidade da alternância. É preciso ter sangue novo para fazer coisas novas. Por isso eu não pleiteei. Se vale para mim, vale para os outros. Aí você pega o terceiro e quer o quarto. Aí você pega o quarto e quer o quinto. Em vez de criar uma democracia, está criando uma ditadurazinha."
VENEZUELA: "A Venezuela tem o regime que eles querem ter."
ESTADOS UNIDOS: "Eu gostaria que a relação dos Estados Unidos com a América Latina fosse diferente do que é hoje. É preciso que os EUA compreendam a importância da América Latina pela proximidade, pela quantidade de latino-americanos que vivem nos Estados Unidos. Os americanos não têm uma visão otimista para América Latina. Sempre houve uma relação de império com os países pobres. Essa visão precisa mudar. Espero que ele (Barack Obama) venha ao Brasil em 2011 e visite outros países da América do Sul, porque 2012 é ano eleitoral lá, e é difícil ele sair. A verdade é que não mudou nada a visão dos Estados Unidos para a América Latina. Vejo isso com tristeza."
IRÃ: "Um momento importante da política externa foi a nossa proposta de negociação com o Irã. Todo mundo aqui vai viver um pouco mais, todos um pouco mais do que eu, e vão saber que o Brasil estava certo de negociar com o Irã, quando conseguiu que o Ahmadinejad aceitasse a proposta de participar do grupo de Viena. E a única coisa que fez não ter resultado foi que o Conselho de Segurança achou que era demais alguém que não era do meio deles ter conseguido o que eles não conseguiram. Isso foi triste, lamentável, mas, de qualquer forma, foi feito."
DIREITOS HUMANOS: "O Brasil não fez nenhuma concessão. O Brasil defende mudança no Conselho de Segurança porque não quer ser subserviente, porque quer preservar a sua soberania. Os nossos críticos são aqueles que acham que o Brasil vai acordar de manhã e pedir licença para espirrar, pedir licença à União Europeia para tossir. Esses são nossos críticos."
CARGO NA ONU: "Acho que na questão da ONU devemos ter alguns burocratas muito competentes para dirigir os fóruns internacionais e diminuir o ímpeto da política. Se o presidente do Brasil aceita ser secretário-geral da ONU, por que amanhã não pode ser o dos Estados Unidos? Aí fica muito difícil. É melhor que a gente coloque sempre um bom técnico, uma pessoa competente."
NOBEL: "Não sei se o Nobel da Paz teria vindo bem. Ele vem para pessoas que merecem receber o Nobel da paz. Não sei qual o critério e não vou fazer julgamento."

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