domingo, julho 04, 2010
Juízes de carreira são esquecidos para vaga no STF
Juízes de carreira são esquecidos para vaga no STF
Por Vladimir Passos de Freitas – Em Consultor Jurídico
A aposentadoria do ministro Eros Grau, que completa 70 anos em 19 de agosto, foi anunciada pela mídia e, segundo consta, quatro nomes, com currículos inegavelmente expressivos, despontam para sucedê-lo (Folha de São Paulo,17.6.2010, A10). Portanto, está aberta a disputa pela vaga no STF. Nada mais natural. Afinal, trata-se do cargo máximo na hierarquia do Poder Judiciário. Ocupá-lo é uma honra destinada apenas a 11 brasileiros, em uma população de quase 200 milhões de habitantes.
Dizia-se que o cargo de ministro do Supremo nem se pede, nem se rejeita. Não é mais assim. Atualmente se pede e não se rejeita. O pedir, aí, faz-se pelo apoio de terceiros, que levam o pleito a quem decide (presidente da República) ou a quem possa influenciá-lo. E vale tudo, desde políticos de prestígio até aquela idosa professora do ensino fundamental (ex-primário).
Os órgãos de cúpula do Poder Judiciário variam conforme o país. Uns possuem um Supremo Tribunal (por exemplo, EUA, México e Argentina), outros dividem o poder entre uma Corte Superior (com juízes de carreira) e outra Constitucional, fora do Judiciário (por exemplo, Itália, Espanha e Colômbia).
No Brasil, os juízes de carreira sempre fizeram parte da cúpula do Judiciário. No Império, só eles julgavam no Supremo Tribunal de Justiça, que era “composto por juízes letrados, tirados das relações por suas antiguidades” (Constituição de 1824, artigo 163). Proclamada a República, adotou-se o modelo norte-americano. O presidente indica e o Senado aprova ou rejeita (CF de 1891, art. 48, item12). A aprovação é a regra. Mas, em 24 de setembro de 1894 o Senado rejeitou o médico Barata Ribeiro, por estar ausente o requisito do notável saber jurídico.
Mas, afinal, o que se espera de um ministro do STF? A meu ver, deve ter os predicados que se exigem de todos os juízes, e aqui repito Edgard Moura Bittencourt: “Do conjunto de virtudes (algumas das quais apenas aparentemente incompatíveis entre si), como a independência, a humildade, a coragem, o altruísmo, a compreensão, a bondade, a brandura de trato a par com a energia de atitudes, o amor ao estudo e ao trabalho, - dimana a personalidade positiva do juiz. A elas, como é óbvio, não adiciono a honestidade, que não é virtude, senão mero ponto de partida, essencial como o diploma ou a capacidade civil: o desonesto pode estar vestido com uma toga, que não cobrirá um magistrado mas uma repelente ferida social e moral” (O Juiz, LEUD, 1982, p. 30).
Um juiz supremo, como chamam os peruanos aos da Corte, deve ter as virtudes apontadas por Bittencourt e, ainda, ser uma pessoa que conheça seu país, ter vasta cultura geral e jurídica, dominar outros idiomas, ter habilidade política (não significa partidária) e ─ ainda que possa surpreender ─ força física para suportar a descomunal carga de trabalho que lhe é submetida.
Pois bem, na história republicana sempre se mesclou a composição do STF, dele fazendo parte juízes de carreira ou não. Sempre foram nomeados juristas de origens diversas. Advogados, agentes do Ministério Público, professores e, obviamente, também juízes de carreira. A obra de Leda Boechat Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal, Editora Civilização Brasileira, é de consulta obrigatória. Vejamos.
Pedro Lessa, advogado e professor em São Paulo, tomou posse como ministro do STF em 20 de dezembro de 1907. Carvalho e Albuquerque, juiz federal no Rio de Janeiro, foi nomeado em 1917. Bento de Faria, que foi delegado de Polícia, promotor e advogado no Rio de Janeiro, foi nomeado em 4 de agosto de 1925. Castro Nunes, juiz federal e depois juiz de Direito (quando extinta a Justiça Federal em 1937) no então Distrito Federal, foi nomeado em 10 de dezembro de 1940. O mineiro Bilac Pinto foi deputado e embaixador, tomando posse no STF em 1970. Aliomar Baleeiro, parlamentar baiano, foi nomeado ministro em 1965. São nomes que dispensam comentários.
A escolha de profissões diversas foi a adotada nas mais diversas fases da vida política do país, na democracia e na ditadura. E sempre deu certo. Com foco apenas em Juízes de carreira, em tempos mais recentes, muitos brilharam no STF. Por exemplo, os magistrados estaduais Thompson Flores (RS) e Sydney Sanches (SP) e os juízes federais Carlos Velloso (MG) e Néri da Silveira (RS).
Todavia, nos últimos anos o equilíbrio vem se rompendo. Os Juízes de carreira vêm sendo esquecidos, para não dizer rejeitados. Mais de 100 anos de tradição são deixados de lado, sem que o fato seja comentado, discutido ou noticiado (louvável exceção a ministra Eliana Calmon, do STJ). Mire-se uma foto dos 11 integrantes do STF e nela se verá apenas um magistrado de carreira, o ministro Cezar Peluso.
Óbvio que os outros 10 ministros também são pessoas de grande valor. Para ficar apenas no decano, ministro Celso de Mello (MP/SP), que dignifica a Suprema Corte desde 1989, a cultura jurídica se alia à cordialidade no tratado e à simplicidade. E assim também os demais, cada um com suas características pessoais.
Mas a questão não é esta. É simplesmente saber por que os juízes de carreira foram esquecidos nos últimos anos. Nas dezenas de tribunais de segunda instância, e mesmo no primeiro grau, há pessoas de excelente preparo intelectual, com titulação acadêmica (doutorado), experiência de vida, de Justiça e amor pela profissão. No entanto, não são lembrados. Quiçá porque não se submetem a andar pelos corredores do Congresso ou na Esplanada dos Ministérios a alardear suas virtudes e pedir apoio. A profissão dá-lhes o recato, a timidez. E por isso são esquecidos. Desestimulados.
Há solução? Sim, sem dúvida. Basta fazer o que sempre se fez, desde o Império: indicar também magistrados de carreira para o STF. Ou aprovar a Emenda Constitucional 434/09 do deputado Flávio Dino, que propõe lista sêxtupla, da qual um terço deve ser de juízes.
É preciso valorizar aqueles que se submetem a concurso, percorrem a carreira degrau por degrau, passam por lugares distantes, formam o conhecimento prático no dia a dia, ouvindo testemunhas, conciliando, solucionando conflitos, prendendo e soltando. Enfim, os que conhecem a magistratura, suas dificuldades, seus defeitos e suas qualidades.
Se continuar o sistema de exclusão dos magistrados de carreira, doravante nos discursos de posse de juízes substitutos o desembargador que for saudá-los deverá anunciar: "Caros empossandos, limitem suas legítimas aspirações, restrinjam seus sonhos, não alimentem a ilusão de chegar à Suprema Corte, pois o Brasil é um país que não valoriza seus juízes".
COMENTÁRIO: Com certeza, algumas escolhas foram de ordem meramente política, deixando de lado vários notáveis juristas brasileiros. Mas discordo quando o nobre articulista lamenta que somente há um juiz de carreira na atual composição, esquecendo-se de mencionar que há membros egressos do Ministério Público, como Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Ellen Gracie, os quais também passaram por concursos tão difíceis quanto o da magistratura e obtiveram grande experiência ao exercer o seu mister ao lado dos juízes. O problema está situado nas indicações de advogados de carreira, algumas de uma infelicidade absoluta, motivada apenas por decisões políticas, desprezando-se o notório saber jurídico, a experiência. Há situações de indicados, especialmente nos tribunais estaduais, para as vagas de desembargadores, de claro constrangimento para os advogados militantes. Se alguns nomes fossem submetidos à votação por toda a classe dos advogados, jamais seriam indicados.
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