domingo, setembro 05, 2010

Dissonâncias sobre as Farc

Conexão diplomática
Dissonâncias sobre as Farc

Sílvio Queiroz - Correio Braziliense

É nas entrelinhas do que se falou sobre o conflito colombiano, durante a significativa visita de Juan Manuel Santos, que se podem distinguir algumas notas dissonantes entre o novo presidente colombiano e a favorita até aqui para retribuir a visita nos próximos anos. Ao pé da letra e à primeira leitura, Santos e Dilma disseram a mesma coisa: que a guerrilha das Farc é assunto da Colômbia. Mas a verdade é que Bogotá espera algo mais e espera há algum tempo da diplomacia brasileira. Como ficou à vista no encontro com Serra, o visitante escutaria como se fosse música uma declaração do governo brasileiro classificando o grupo armado como terrorista simplesmente, como fez o candidato da oposição.
Bem diferente foi o que disse Marco Aurélio Garcia, que foi assessor internacional de Lula e agora integra o comando da campanha de Dilma com boas chances de voltar em 2011 ao gabinete que ocupou no Planalto desde 2003. Garcia se referiu às Farc como grupo insurgente. E, com a licença de não se intrometer na cozinha alheia, deixou evidente, uma vez mais, a preferência por uma solução política para o conflito no país vizinho.
Da perspectiva colombiana, com o mesmo cuidado de não dar palpite na sucessão de Lula, a diferença entre Dilma e Serra não é tão óbvia quanto pode parecer. Um governo brasileiro falando mais em uníssono com Washington reforçaria a voz de Bogotá na vizinhança, mas tenderia a ter bem menos trânsito com Hugo Chávez & cia. Em termos, Santos pode ter dado a entender o que considera mais importante quando disse que espera do Brasil que coloque as Farc no lugar delas
Guerrilha ou cartel? Não poderia ser mais oportuno, em meio ao tiroteio entre petistas e demo-tucanos sobre as Farc, o lançamento do livro do cientista político francês Daniel Pécaut: Farc uma guerrilha sem fins? Coma vantagem de quem não vive na pele o conflito, Pécaut traça em contornos profundos e abrangentes a trajetória do grupo. Resgata, para quem não as conhece, as raízes do conflito na violência políticosocial que permeou a Colômbia nos 200 anos de vida independente. Nem por isso deixa de observar a alienação das Farc em relação ao processo político real e sua contaminação progressiva pelas relações econômicas com o narcotráfico.
Pécaut surpreende também em sua avaliação sóbria da situação estratégica do conflito: embora nocauteada politicamente e debilitada militarmente, a guerrilha colombiana continuará representando um desafio à segurança pública por muitos anos. A menos que o novo governo encontre supondo que se disponha a buscar um caminho para reabrir a via política. Este, por sinal, é o desafio existencial para o novo líder máximo das Farc, Alfonso Cano, na interpretação do acadêmico francês.
Fronteira blindada Talvez mais importante que as sutilezas de tom no discurso sobre o conflito colombiano sejam alguns resultados práticos da visita de Santos, que começou por Brasília mas não deixou de fazer escala em São Paulo.Os acordo de defesa firmados em 2008 continuam se desdobrando em iniciativas concretas, especialmente no âmbito da vigilância de fronteiras. Na conversa com a candidata petista, veio à baila um plano de usar aviões não tripulados para vigiar a movimentação de traficantes e, eventualmente, até guerrilheiros. E a cooperação deve se estender à indústria bélica, com parceria no desenvolvimento de um avião de carga e de barcos de patrulha.
Foi em São Paulo que se desdobrou outra dimensão essencial da visita de Santos, no que diz respeito às relações bilaterais.
O presidente teve encontros com empresários de diversas áreas, em particular para explorar oportunidades no campo da infraestrutura.Nos últimos anos, os investimentos brasileiros começaram a voltar à Colômbia, como reconhecimento das novas condições de segurança pública no país. E, embora a balança comercial continue imensamente superavitária para o Brasil, as importações de produtos colombianos crescem.
O nome por trás do sucesso no terreno dos negócios é Proexport. A agência colombiana de promoção econômica no exterior fincou raízes em São Paulo, mais especialmente na Fiesp.Daí a escolha, mais do que significativa, da embaixadora enviada a Brasília no primeiro semestre:María Elvira Pombo foi cônsul na capital paulista por quase uma década. Não bastasse, também comandou a Proexport.

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