sexta-feira, outubro 22, 2010
A Copa que o rei sonhava
A Copa que o rei sonhava
João Máximo – O Globo
No primeiro Mundial que disputou do início ao fim, a participação decisiva na conquista do tri e a eleição como Arquivo/21-6-1970 como craque dos craques
Quarta-feira, 18 de março de 1970. Mais do que nunca Pelé sabe que a próxima Copa do Mundo, provavelmente a sua última, será também a mais importante. Mais até do que a de 1958, quando, menino, ajudou o Brasil a ganhar seu primeiro título mundial, consagrando-se ele próprio como a maior revelação do futebol do Mundo nas últimas décadas. Mais importante para ele, Pelé, que leva nos ombros o peso de não ter conseguido terminar as duas Copas anteriores, a de 1962, no Chile, por uma distensão muscular, e a de 1966, na Inglaterra, por entradas desleais do português Morais. Desse modo, o que pensará ele do que os jornais vêm noticiando nos últimos dias? O que pensará das manchetes de hoje, como esta, do GLOBO: “Não preocupa o olho de Tostão e sim o de Pelé”? São tempos complicados para o futebol brasileiro, estes meses que antecedem o embarque da seleção para o México. Tempos complicados também para Pelé, que está longe de atravessar sua melhor forma, física ou técnica. Há três dias, num jogo treino com o Bangu, em Moça Bonita, foi uma cópia piorada do melhor Pelé, o Pelé do Santos e de outras seleções brasileiras.
Sua atuação mereceu de anônimo cronista do mesmo GLOBO o seguinte comentário: “Pelé, apesar do esforço que demonstra, anda mesmo mal (...) e vez por outra consegue desfazer a impressão com uma jogada certa, mas, em linhas gerais, não consegue convencer.” Quando, em outros tempos, alguém ousaria dizer isso do maior jogador do mundo, hoje na plenitude de seus 29 anos? Há três dias, o técnico da seleção ainda era João Saldanha, que se baseou no jogo treino em Moça Bonita (1 a 1, o gol da seleção feito por um beque do Bangu, contra) para barrar Pelé no amistoso contra o Chile, na quinta-feira da próxima semana: “O crioulo está mal, precisa descansar”, justificou Saldanha.
De fato, os jogos pelo Santos e pela seleção, ao longo da desgastante temporada do ano passado, afetaram Pelé, cuja presença, nos amistosos do Santos no exterior, continua sendo exigência contratual dos promotores. Sem Pelé, o Santos e a própria seleção valem menos. Por isso, a barração surpreendente será citada como uma dos fatores que apressaram a queda de Saldanha, demitindo pelo presidente da CBD, João Havelange.
Saldanha caiu ontem, terça-feira, e os jornais de hoje já fazem referência à sua preocupação com a vista de Pelé. Maior do que a com a vista de Tostão? Saldanha diz que sim. Segundo ele, Pelé tem uma deficiência visual que teria escapado aos médicos da seleção. Para estes, apenas uma miopia leve, mais acentuada no olho direito, nada que o impeça de jogar normalmente.
No máximo, teria de usar óculos para ler. Definitivamente, não são boas as notícias que os jornais levam a Pelé nestes idos de março.
São mesmo tempos complicados o que o futebol brasileiro vive a três meses da Copa. Complicados, incertos, difíceis de entender. O olho esquerdo de Tostão é mesmo um problema, o descolamento de retina sofrido em fins do ano passado levandoo à cirurgias e outras idas a Houston, Texas, para se tratar com médico brasileiro. Não há garantia de que ele, artilheiro das eliminatórias do ano passado, possa ir ao México. E agora essa, Saldanha pondo em xeque a visão de Pelé.
Saldanha perdeu o comando da seleção da mesma forma com que vinha perdendo a serenidade que o levara a transformar um grupo desacreditado em “feras” para o tri. Nesta mesma quarta-feira, o presidente do Flamengo, André Richer, entra na Justiça com uma ação contra Saldanha, por ter este invadido, de revólver, a concentração de São Conrado atrás do treinador Yustrich. Um episódio que sucedeu à crise na comissão técnica, a maioria fazendo pressão para que Saldanha convocasse Dario, o favorito do general Medici, numa forma de agradar “o torcedor número um do Brasil”. Saldanha reagiu a seu modo: “O presidente escala o ministério dele e eu escalo o meu time.” Pelé e seus companheiros de equipe sabem de tudo isso pela imprensa. E é ainda com uma interrogação que recebem o novo técnico, Zagallo, que nada tem a ver com os rumos até políticos que as coisas tomam. Por exemplo, hoje mesmo Havelange vai a Brasília prestar contas ao ministro Jarbas Passarinho, já prometendo relatório com cópia para os generais do SNI e das Casas Civil e Militar, explicando a quantas anda o futebol brasileiro.
Mas a Copa do Mundo de 1970 é tão importante para Pelé que ele enfrenta tudo isso com calma de fazer inveja: — Nem que seja com lente de contato, vou jogar esta Copa.
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