Crise financeira e queda do câmbio estimulam saída de brasileiros de Portugal
07/11/2010 - 09:00 | Simone Cunha e Vitor Sorano | Lisboa - Opera Mundi
“Com violência a gente se acostuma de novo”, diz Maria das Graças Moraes, 37 anos. Em situação regular e empregada, desistiu de Portugal. Vai recomeçar, de novo, no Recife. O namorado e os outros dois casais com quem dividem apartamento também vão fazer o caminho de volta. Há quatro anos, quando Graça chegou a Lisboa, cada 100 euros que mandava para o Brasil se transformavam em R$ 272. Hoje, viram R$ 239, mas o dinheiro só tem dado para pagar as contas.
Portugal e Espanha abrigam, respectivamente, a 2ª e a 3ª maiores colônias de brasileiros na Europa, num total de 262,6 mil imigrantes, segundo estimativa do Itamaraty. Nos últimos anos, os dois países estão, também, entre os mais afetados pela crise econômica entre os 16 que usam o euro. A taxa de desemprego espanhola (descontada a Grécia, cujos números não estão divulgados) em setembro é a maior entre eles: 20,8%. A portuguesa é a 5ª, com 10,6% – no Brasil, estava em 6,2% nas regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.
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Maria da Graça está empregada, mas decidiu voltar ao Brasil após quatro anos em Portugal |
Embora varie consideravelmente de ano para ano, o envio de dinheiro por imigrantes caiu no ano passado. Da Espanha, o Brasil recebeu 250 milhões de euros, ante 387 milhões em 2008 e 185,9 milhões em 2007, segundo dados do Banco de España (o BC do país) calculados pelo Opera Mundi. O Banco de Portugal (idem) registrou em 2009 310 milhões de euros enviados, contra 331,7 milhões em 2008 e 311,8 milhões em 2007.
A falta de oportunidades é, além da desvalorização do euro e da redução de remessas, outro dos motivos citados por quem quer voltar. Joana Silva (nome fictício), de 36 anos, perdeu o emprego fixo há dois meses, quando a senhora de quem cuidava morreu. Vive sem visto há cinco, dos seis anos em que está em Lisboa. Vende marmita e diz que está conseguindo se manter.
Na lista dos motivos para planejar voltar em março próximo, quando as passagens estão mais baratas, estão a saudade dos três filhos que ficaram e a lembrança do dinheiro que conseguia mandar todo mês. “Podia ter comprado uma casa no Brasil com o que já mandei, mas não comprei nem um burro. Paguei passagem para meu irmão, meu filho. Hoje eu só vivo bem, mas gosto muito daqui.”
Ana (nome fictício), uma pernambucana de 26 anos, não conseguiu emprego fixo nos três anos em que mora em Lisboa. “Se é para trabalhar mais que no Brasil para ganhar o mesmo, prefiro voltar”, diz. O melhor emprego que teve foi em uma tabacaria, onde trabalhava 10 horas por dia para receber 475 euros por mês. Para ela, é exploração. O marido, também brasileiro, completa seis anos no país em junho: vai dar entrada na cidadania portuguesa e voltar.
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Fontes: Banco Central do Brasil, Eurostat e IBGE |
Nos programas de apoio ao retorno de imigrantes mantidos pelos governos, os brasileiros vêm se tornando cada vez mais numerosos. Em Portugal, saltaram de 151 para 599 entre 2007 e setembro de 2010, representando neste ano mais de 7 em cada 10 pedidos feitos feitos à OIM (Organização Internacional para a Imigração), responsável pela coordenação do serviço no país. De janeiro até o final do último mês de setembro, 286 embarcaram de volta para o Brasil.
Na Espanha, o número de beneficiados pelo programa equivalente quase quadruplicou, de 143 para 510, de 2007 a 2009, segundo dados oficiais levantados por Erika Masanet, pesquisadora do CIES (Centro de Investigação e Estudos e Sociologia) do Instituto Universitário de Lisboa. Em um segundo projeto, criado especialmente em razão da crise e voltado a desempregados, os brasileiros constituem a 3ª nacionalidade mais expressiva, com 5% dos apoios concedidos entre o início, em novembro 2008, e abril de 2010.
Paula (nome fictício), mineira, quer voltar, mas não tem dinheiro para pagar sua passagem e a dos dois filhos. “Pedi apoio do retorno voluntário (da OIM), mas vai demorar meses. Aqui está muito difícil, não dá mais, quero voltar já, amanhã. Vocês não me ajudam a conseguir?”, pergunta. Os 600 euros (R$ 1434) que ganha por mês para cuidar de uma senhora cega não chega para os três. Depois de dois anos sozinha em Portugal, ela voltou ao Brasil e ficou pelo mesmo período, há oito meses voltou com os filhos e se arrependeu. “Meu sonho é voltar.” A reportagem do Opera Mundi recebeu a ligação de outra brasileira buscando ajuda. “Vocês estão ajudando a voltar? Não é pra mim, é para uma amiga.”
Estabelecidos
Há alguns anos, era menos comum encontrar na fila de espera da OIM brasileiros regularizados e/ou há mais de cinco anos no país, segundo Marta Bronzim, chefe da missão da organização em Portugal. Também tem crescido a participação dos que têm emprego, como é o caso de Paula. “Essa porcentagem é minoria, mas começa a avançar há um ano, um ano e meio”, diz.
De acordo com dados da OIM, pouco mais de um em cada 10 (11%) brasileiros que pediam ajuda em 2007 estavam em situação regular no país. Neste ano, são 4 em cada 10 (42%), num total de 359. A proporção dos que estão em Portugal há menos de cinco anos – prazo necessário para obter uma autorização de residência permanente – vai pelo contrário: cada vez mais brasileiros que ficaram pelo menos esse prazo no país estão indo embora.
Outro sinal de que imigrantes mais estabelecidos – e não apenas os recém-chegados – estão retornando é a presença maior de famílais na lista de espera. “A maioria (dos pedidos) são individuais, são sozinhos, mas o número dos que pedem ajuda com filhos que nasceram aqui, esses também começam a aumentar”, afirma a chefe da missão da OIM em Portugal.
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Fonte: OIM
Obs: dados para 2010 até setembro |
A crise é o ponto comum entre Bronzim e Masanet, que pesquisa os dados na Espanha. Nos dois países, os imigrantes estão mais expostos à falta de emprego. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística português, em 2009 a taxa de desemprego entre estrangeiros de fora da União Europeia era de 17,3%, ante 9,5% na média nacional. Em estudo feito pelo Instituto Universitário de Lisboa, pela Universidade de Coimbra e pela Universidade Técnica de Lisboa, o índice era de 17,7%, entre os 1.398 entrevistados entre janeiro de junho de 2009. Na Espanha, no 3º trimestre deste ano, era de 19,8% em geral e de 30,7% entre os de fora da UE.
“Já foi bom, agora não dá mais”, conta Maria das Graças. Trabalhando apenas para pagar as contas, sem conseguir mandar dinheiro para o Brasil e longe dos três filhos, ela aguarda a data do casamento da filha para comprar a passagem. “Enquanto isso, trabalho bastante para ver se ainda consigo juntar algum dinheiro antes de voltar.”
“É previsto que haja outro fluxo de saída de brasileiros nesse fim de ano, como houve no passado. E é possível que dessa vez não haja compensação na entrada porque a crise se agravou”, diz o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Renan Paes Barreto. Outro reflexo da crise, de acordo com o cônsul, vem sendo a vinda de brasileiros de outros países a Portugal, numa espécie de parada no caminho de volta e última tentativa de conseguir uma boa colocação. A renovação de passaportes brasileiros vencidos há meses ou anos também indica que uma população sem histórico de viagens planeja sair de Portugal.
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Andrea e o marido português embarcam no dia 19 de novembro para o Brasil |
Erika Masanet, do CIES, identifica um movimento crescente de saída de brasileiros da Espanha. O número quintuplicou de 2006 para 2009, para 16.709 – ante uma população total de 126,2 mil. Os dados são de imigrantes registrados em cadastros municipais que deixaram de fazer a renovação (obrigatória a cada dois anos para quem não tem nacionalidade ou autorização de residência permanente). “Os fluxos de saídas não só se referem aos que retornam, mas também aos que vão a outros países (da Europa, Estados Unidos, Canadá) à procura de trabalho”, explica Masanet.
Fator Brasil
Bronzim e Masanet indicam a percepção mais positiva em relação ao Brasil como atrativo para o retorno. “No caso dos brasileiros vemos que os dois primeros fatores que se dão para o retorno são situação laboral e econômica desfavorável na Espanha e situação e a percepção positiva da situação econômica e laboral do Brasil”, diz a pesquisadora do CIES.
“Eles vêem o Brasil como oportunidade”, afirma a chefe da missão da OIM em Portugal, mesmo que o plano de volta seja para locais onde, eventualmente, as condições não tenham evoluído – e que, por consequência, continuam a estimular a imigração. “Muitos deles vêm de zonas de migração e que não têm um desenvolvimento muito grande.”
Andrea Portela, de 45 anos, e seu marido português, embarcam dia 19 para o Recife. Vão levar a primeira parte da mudança, comprar o terreno para abrir a empresa de engenharia dele e, depois de três meses, voltam para buscar o que ficou. “Com a situação em que está esse país, daqui não quero mais nada”, fala Andrea, há sete anos em Portugal. “Na área dele o Brasil está muito bom, o Lula fez aquele Minha Casa Minha Vida. Vimos tanta notícia boa de lá na TV, que ele decidiu ir.”
Ana e o marido ficaram 45 dias no Recife em janeiro, fizeram contatos e confirmaram que há oportunidade. Distribuidor de materiais elétricos, ele mandou currículo e conseguiu várias propostas, diz ela. “Do jeito que está a economia lá, vai crescer ainda mais.”
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