domingo, novembro 07, 2010

O efeito Dilma sobre o próximo meio século

O efeito Dilma sobre o próximo meio século
Paulo Rabello de Castro – Revista ÉPOCA
PAULO RABELLO DE CASTRO
é doutor em economia e palestrante,
 conselheiro de empresas,
 autor de livros como 
A grande bolha de Wall Street
Mantém o Blog da Bolha 
e escreve quinzenalmente
Até hoje, achava eu, equivocadamente, que a vitória de Dilma abriria um novo ciclo no Brasil, pós-Lula. FHC inaugurou o ciclo anterior, representando o presidente moeda, ao coordenar magistralmente a equipe que domou a inflação. Lula deu prosseguimento ao ciclo e nos devolveu a renda e o crédito, recriando uma classe média que se pensava morta. O ciclo do resgate econômico estaria, então, completo, pensava eu. Mas vejo, agora, que ainda não.
O que vem por aí será a etapa final da contribuição da “geração de 68”. A militância política da presidente eleita, desde os idos da década de 1960, tem sido ressaltada na TV como parte do currículo de Dilma Rousseff, lembrando o episódio da tortura da presidente pelo regime militar então instalado no país. A própria Dilma afirma ter sido “brutalmente torturada”. Como nada justifica o crime da tortura, falar abertamente sobre essa página repugnante da história é bom para purgar o pecado coletivo da nossa sociedade. A “geração de 68”, uma juventude generosa e voluntariosa, não quis esperar o fim do regime militar. Aqui e no exterior, muitos confrontaram o establishment social e político, como na Marcha dos Cem Mil, em 1968, no Rio de Janeiro, ou em Paris, ou em Woodstock, nos EUA. Sempre de modos e jeitos diferentes, mas sempre a mesma coisa.
Após um rápido intervalo de cortina, como numa peça de teatro ao vivo, é essa “geração de 68” que reaparece em nossa história atual, com Serra, FHC e Cesar Maia – exilados no Chile –, ou com Dilma, Dirceu e Gabeira, com Lula e tantos outros, da mesma turma de perseguidos ou banidos pelo antigo regime. Os então excluídos foram mais do que resgatados: foram reintegrados e alçados, pelo poder democrático do voto, aos mais altos postos da República. O Brasil deu a volta em sua própria história e devolveu aos melhores e mais bravos da geração de 68 seu mais amplo direito de participação. Por isso mesmo, Dilma ainda não pertence a um ciclo novo, mas ao atual, que ela terá a honra de encerrar.
É enorme a responsabilidade da presidente eleita, encarregada de completar a obra de 68. As decisões que Dilma tomará repercutirão intensamente nos 50 anos à frente, na vida inteira de praticamente todos os quase 190 milhões de brasileiros vivos nesta data. Para ter ideia do que é meio século em matéria econômica e tributária, em importância sobre nossa vida diária, basta recordar que vivemos dos benefícios residuais da estrutura modernizadora (para a época, bem entendido) deixada pronta, em 1967, pela equipe de Roberto Campos e Octavio Bulhões, gigantes de uma geração precedente, de que faz parte o brilhante professor Delfim Netto (leia a entrevista). Fazendo as contas: se Dilma for reeleita, até 2018 meio século terá se passado desde que a “geração de 68” começou a atuar politicamente.
Ela prometeu reduzir e simplificar impostos.
Precisamos também controlar gastos públicos
O produto líquido dessa geração de 68 terá nas intenções programáticas de Dilma sua última cartada coletiva. A ela caberá não mais consertar a moeda (já que FHC devolveu respeito ao dinheiro e confiabilidade aos preços), nem aprumar a autoestima do povo (já que Lula, um gigante da política brasileira, promoveu uma segunda e enorme rodada de redução da pobreza e inclusão econômica). Mas ela tem pela frente o desafio de substituir a máquina velha e desgastada das instituições econômicas que hoje emperram nossa vida pública e privada. Não basta o que Dilma já prometeu, que não é pouco: simplificar e desonerar a tributação no Brasil. É urgente alcançar bem mais do que isso, pois é de uma nova estrutura tributária e produtiva, e de controle eficiente dos gastos públicos, que estamos precisando para virar, afinal, país desenvolvido.
A conclusão é que não faltará bravura aos melhores de uma geração que um dia enfrentou paus de arara. A dúvida, como diria Calvino, é se não nos faltarão, entretanto, leveza, rapidez e exatidão, como prescrevia o literato, nas transformações requeridas neste novo milênio.

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