quinta-feira, novembro 11, 2010

Protestos

Protestos
LUIS FERNANDO VERISSIMO – O GLOBO
No livro Uma História de Duas Cidades Charles Dickens escreve sobre a Revolução Francesa e seus efeitos e reflexos em Paris e em Londres. É o livro que começa com a frase “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Um Dickens redivivo poderia escrever sobre o contraste entre a reação na França e na Inglaterra às recentes medidas de austeridade tomadas pelos dois governos, Sarkozy tentando reformar o sistema de aposentadoria na França e o novo governo conservador na Inglaterra anunciando cortes e sacrifícios de fazer corar até a Mrs. Thatcher. Apesar da proposta do Sarkozy ser mais amena – aumentar para 62 anos, em vez de 60, a idade para aposentadoria, que em outros países da união europeia já é de 65 e 67 –, os franceses foram para a rua protestar, os ingleses não. Sindicatos franceses fizeram, e continuam fazendo, greves. Os ingleses, até agora, nada.
A diferença, diria Dickens, tem a ver com História e personalidade. Os ingleses não têm uma tradição de ir para as ruas. Os franceses gostam tanto de uma manifestação que têm um apelido carinhoso para elas: manif. Paris se organiza para contornar as manifs e as greves com a prática de anos. Fica-se sabendo no dia anterior que linhas de ônibus serão interrompidas, quantos trens de metrô deixarão de funcionar – e para quem não viu na TV há cartazes explicativos nas paradas. A questão da mudança de dois anos no tempo de trabalho requerido para a aposentadoria não parecia justificar tanto protesto, e muito menos a adesão dos estudantes, que se manifestaram como nunca antes desde 1968. Mas a reforma da aposentadoria pareceu mais um pretexto para a rebeldia contra Sarkozy e seu estilo personalista e arrogante. Qualquer pretexto serviria.
Enquanto isso, na Inglaterra, o que o novo primeiro-ministro Cameron propunha era uma revolução social, o desmantelamento de um sistema de vida para salvar a economia. A parca reação dos ingleses às medidas duras se deve à pouca mobilidade dos sindicatos, que ainda se ressentem da sua derrota na revolução
da Thatcher, e à tradição de estoicismo que a nação gosta de cultivar como uma virtude exclusiva. E ao fato de que, afinal, lá ninguém é francês.
Enquanto isto, nunca se viu tanto turista na Europa, e o outono – pelo menos em Paris – os recebeu com festa. Enfim: o pior dos tempos, o melhor dos tempos.

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