sábado, outubro 30, 2010
Para reconstruir o diálogo
Para reconstruir o diálogo
Maria Cristina Fernandes - VALOR ECONÔMICO
Pacto se dará sob reaglutinação partidária
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) terminava de dar uma entrevista numa emissora de televisão na tarde de segunda feira quando entrou no estúdio o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), que o aguardou. Finda a entrevista, entabularam conversa, ali em pé, no meio do estúdio, que prosseguiu pelos gabinetes da emissora.
Um é governador reeleito com a maior votação proporcional do país e presidente do partido governista mais cacifado nas disputas estaduais. O outro é detentor do mais importante cargo eletivo do principal parceiro que resta ao PSDB na oposição.
Foi uma conversa sem testemunhas, mas a hipótese mais plausível é que tenham discutido a reaglutinação partidária que assentará a conflagração política em que esta campanha lançou o país.
Se o próximo governo começar no tom que a campanha acabou, é de crise que se falará nos próximos quatro anos. Nesse cenário, é Luiz Inácio Lula da Silva quem se reapresentará. A perspectiva não interessa ao PT, que veria selado seu fracasso em sobreviver a Lula, nem ao PSDB, que teme voltar a enfrentá-lo. Depois de uma campanha dessas, diálogo não é decorrência natural. É a única saída.
Não é uma reconstrução fácil. Se confirmadas as pesquisas, José Serra não terá levado o PSDB a um simples fracasso eleitoral, mas à renúncia de um projeto político de poder. Ou é possível divisar sobras numa candidatura que principia pelo adesismo lulista e acaba em abençoada pancadaria?
Pelos serviços prestados, o PT está a um passo de renovar seu contrato, mas o terá feito numa campanha sem ousadia ou utopia. A relação de Dilma Rousseff com seu eleitorado é uma página que a onipresença de Lula e a despolitização da campanha mantiveram em branco até o final.
O eleitor já não quer ouvir mais falar desta campanha, que dirá da próxima, mas o calendário da política é outro. O pacto de convivência começa a ser montado sob a perspectiva de reorganização partidária com vistas às eleições municipais.
Kassab tem pressa. Campos, nem tanto. Demistas correm contra o tempo. Restam apenas 11 meses para a filiação partidária de quem vai disputar a eleição municipal de 2012.
Dos caciques do DEM, Kassab foi de longe o mais discreto da nau serrista. Não fez eco à histeria religiosa ou moralista da campanha tucana.
Tem pouco tempo para encaminhar sua sucessão. Precisará reverter o desgaste de sua gestão para amarrar o futuro de sua candidatura ao governo de São Paulo em 2014 contra Geraldo Alckmin.
Seu cacife será proporcional à capacidade de incorporar seu partido ao PMDB, legenda cuja principal liderança paulista, Orestes Quércia, está fora de combate. A movimentação tiraria seus correligionários de oito anos de inanição, seja pela incorporação, seja pela mudança, desimpedida pela lei nesta situação, para outros partidos da base governista, como o PSB.
Se eleita no domingo, Dilma terá em Lula seu principal credor. Mas em segundo lugar não há muitos rivais para o governador de Pernambuco, a não ser que alguém se arrisque a prever os rumos desta sucessão se Ciro Gomes tivesse obtido legenda para disputar a Presidência.
Na reunião que Dilma fez com os governadores aliados logo depois do primeiro turno, Campos foi o que mais abertamente apontou os erros do entrevero com a imprensa.
Governador mais próximo presidente da República, é também um dos aliados de Dilma com melhor trânsito na oposição. Seu partido deu apoio formal aos tucanos Antonio Anastasia, em Minas, a Beto Richa, no Paraná, e Teotônio Vilela, em Alagoas. De tanto ralar para desatar os nós entre seus vizinhos e governo federal, Vilela acabou convidando-o a participar do seu horário eleitoral gratuito.
Sua ascendência sobre o líder das pesquisas na Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), é tamanha que seu adversário na campanha diz que o Estado está sob ameaça de anexação por Pernambuco.
O PT é seu principal aliado no Estado, o que não inibiu Eduardo Campos a enfrentar as corporações da educação, saúde e segurança para estabelecer programas de metas com conceitos que arrepiam os petistas como meritocracia e contratos de gestão.
Com brandura e sem se esgoelar em palanque, talvez seja o governador mais próximo de realizar o sonho lulista de extermínio da oposição no Estado.
Com a adesão em massa dos prefeitos do PSDB à sua candidatura, a oposição no Estado está concentrada no DEM e no PMDB, partidos que têm três das 25 cadeiras da bancada pernambucana .
Um rearranjo partidário levaria seus dois últimos adversários em disputas estaduais, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o deputado federal Mendonça Filho (DEM) para a mesma sigla. Ainda que ex-caciques do DEM tenham se bandeado para Campos, os demistas ainda estão melhor estruturados no Estado que os pemedebistas, o que pode acabar impondo a ascendência de Mendonça sobre Jarbas, único político no Estado com quem o governador não dialoga.
Em grande parte, foi o PSB, e não o PT, a legenda que ocupou os espaços abertos pela decadência do partido de Kassab, mas a imagem de um partido que, derrotado, prefere unir-se ao adversário não dá conta do rearranjo em curso.
Campos deve ser peça-chave na frente partidária que se idealiza para dar sustentação a um eventual governo Dilma e conter o gigantismo do PMDB no governo. A incorporação fortalece ainda mais os pemedebistas, mas o movimento tem outras serventias, como a de quebrar a polarização entre PT e PSDB no seu berço paulista. Foi contra essa polarização que o PSB elegeu o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda.
Aquela eleição foi patrocinada por outro interessado no fim da polarização, o senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB) que, desta vez, tem poucos motivos para torcer pela tese da incorporação. Se PSDB e DEM têm sobrevivido a um casamento litigioso, é porque o divórcio correria o risco de isolar os tucanos na oposição.
As armas ainda estão em jogo e as urnas não foram sequer plugadas, mas a notícia de que os políticos voltaram a conversar é sinal de que o governo a ser eleito neste domingo tem alguma chance de vingar.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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